sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Fracasso desastroso na cúpula

Por Martin Wolf
Aqueles a quem os deuses querem destruir, eles primeiro deixam loucos. Essa foi minha reação ao conhecer o resultado do encontro do Conselho da União Europeia na semana passada. Muitos concentraram sua atenção na decisão do primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, de vetar um novo tratado. Esse comportamento desviou a atenção do fracasso dos líderes da região do euro em preparar um tratamento confiável para os males da união monetária. Em vez disso, propuseram apertar ainda mais os parafusos sobre os países fora do rumo fiscal. Pode até passar uma sensação agradável.
Mas não funciona.
Cameron apresentou a seus colegas uma lista de exigências voltadas a proteger a City londrina e a capacidade de regulamentação desse centro financeiro pelo governo do Reino Unido, em grande parte sem a possibilidade de obstáculos de autoridades reguladoras europeias. Cameron poderia ter declarado que teria aceitado um tratado aplicável apenas para os membros ou candidatos a membros da região do euro. Poderia ter sugerido que colocaria um tratado equivalente para votação em referendo no Reino Unido. Em vez disso, acabou sem salvaguardas para a City e com o status de estar semidescolado da União Europeia (UE), da qual ele quer que o Reino Unido continue membro. Ele não atingiu nada positivo, a não ser corroer a credibilidade do Reino Unido como membro da UE. Isso traz custos substanciais.
Bem mais importante do que essa peça de teatro político britânico, entretanto, é o que agora pode acontecer dentro da região do euro. Quanto a isso, sou pessimista. Alemanha e França concordaram que não deve haver união política, financeira ou fiscal. O fracasso em transcender os defeitos da construção original é previsível, mas terrível.
A decisão central acertada foi fortalecer a disciplina fiscal, construir o que a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, chamaram na semana passada de "união de crescimento e estabilidade" - ou, como eu a vejo, uma "união de estagnação e instabilidade". Mesmo sob um tratado intergovernamental, essa disciplina reforçada provavelmente ainda poderia ocorrer via instituições da UE, como argumenta agora Olli Rehn, comissário europeu de
Assuntos Monetários e Econômicos.
Quais são os principais detalhes? Primeiro, "os déficits orçamentários gerais dos governos devem ser equilibrados ou passar a superávits: esse princípio deve ser considerado respeitado se, como regra, o déficit estrutural anual não exceder 0,5% do Produto Interno Bruto nominal". Segundo, "tal regra também será incluída nos sistemas judiciários [...] dos países-membros [...]. A regra conterá um mecanismo de correção automática que deverá ser acionado no caso de desvio".
Uma simples objeção a essas ideias poderia apontar que são absurdamente difíceis, como destacado no "FT Alphaville". O Conselho da União Europeia diz que "serão adotados passos e sanções propostas ou recomendadas, a menos que uma maioria qualificada dos países-membros da região do erro se oponha". Ainda assim, continuo sem estar convencido de que os perus votarão a favor do Natal.
Suponhamos, no entanto, que votassem. Isso significaria que, a partir de estimativas profundamente incertas de déficits estruturais, a comissão - um órgão de burocratas não eleitos - imporia sanções sobre governos eleitos, quando estes estivessem sob imensa pressão. O que a comissão fará se os países ainda assim deixarem de cumprir o tratado? Tomará seu controle? A resposta, agora sabemos, é: sim. Isso é uma monstruosidade constitucional.
Ainda mais importante, como o professor Kevin O'Rourke, da universidade de Oxford, argumenta no "Project Syndicate", é o fato disso ser uma monstruosidade econômica. Permita-me reafirmar esse argumento transformando a análise da semana passada sobre balanço de pagamentos em uma análise sobre os balanços financeiros externos, dos governos e do setor privado dos países da região do euro.
Para relembrar os leitores: a soma desses balanços, por definição, é zero. A forma como ocorre essa soma, no entanto, é bem reveladora.
Como destaquei na semana passada, os desequilíbrios fiscais antes da crise eram modestos, mas os atuais desequilíbrios em conta corrente eram imensos. Os superávits de fundos privados em alguns países (mais notavelmente, Alemanha e Holanda) foram intermediados pelo sistema financeiro para financiar déficits de fundos privados em outros (notavelmente, Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha).
Quando a crise chegou, os fluxos cessaram. Os déficits dos setores privados desmoronaram (a maioria tornando-se superávits), enquanto os déficits fiscais explodiram. Agora, diz a Alemanha, os déficits fiscais devem ser cortados.
Por definição, a soma dos déficits em conta corrente e privados também deve ser zero. Os setores privados de países outrora importadores de capital tornaram-se superavitários por um bom motivo: tentam reduzir suas dívidas, até porque o valor de seus ativos está em queda.
Os déficits externos, portanto, precisam cair. Isso pode ocorrer de uma forma boa ou má. A forma boa seria por meio de um aumento de produção das exportações e das substituições de importações; a má seria por meio de uma recessão mais profunda.
Em resumo: é extremamente difícil eliminar déficits fiscais em países estruturalmente importadores de capital, a não ser com recessões prolongadas ou melhoras profundas em sua competitividade externa; mas a competitividade é relativa; então, a melhora necessária no desempenho externo dos países mais enfraquecidos da região do euro implica deterioração no desempenho dos exportadores de capital da região do euro ou uma melhora radical no desempenho externo da região do euro como um todo. A primeira opção significa que a Alemanha seja bem menos Alemanha. A última, que região do euro se torne uma Mega-alemanha. Quem consegue acreditar que qualquer uma das duas opções seja plausível?
Isso nos deixa basicamente com o resultado mais plausível da orgia de austeridade fiscal: recessões estruturais de longo prazo em países vulneráveis. Para dizer de forma seca, a moeda única significará quedas nos salários, deflação das dívidas e depressões econômicas. Será que isso pode sustentar-se, por maiores que sejam os custos de uma separação da região do euro?
A região do euro não tem um plano confiável para consertar os defeitos da região do euro, além da maior austeridade fiscal: não há união fiscal, financeira ou política; e não há mecanismo equilibrado para ajuste econômico dos dois lados da divisão credor-devedor. A decisão foi, em vez disso, tentar ainda com mais força um pacto de crescimento e estabilidade, cujas falhas são tanto previsíveis como persistentes. Sim, Cameron cometeu um erro crasso na semana passada. Mas o da região do euro parece ter sido bem maior.
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

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