Contar a
história de Eduardo Cunha é como escrever o obituário da Nova República,
erguida sobre as cinzas do regime militar. Por isso recorro à metonímia,
recurso linguístico em que uma expressão ou palavra é usada para representar
uma totalidade. No caso, Cunha é uma metonímia política.
Suas peripécias
remontam aos primeiros passos da redemocratização, com Fernando Collor e PC
Farias, e passam por escândalos na Telerj, na Companhia Estadual e Habitação do
Rio e em Furnas.
Como sua
história é longa e o cabedal de escândalos, robusto, atenho-me em sua curta
trajetória na presidência da Câmara dos Deputados para mostrar como ele
representa o esgotamento do atual modelo de democracia.
Cunha é fruto da
despolitização, da intolerância e de uma lógica de governabilidade baseada em
acordões fisiológicos que transformaram o parlamentarismo de coalizão em
parlamentarismo de extorsão.
O PT não quis
enfrentar este modelo ao assumir a Presidência. Lula teve a chance de realizar
reformas no sistema político, mas preferiu alimentá-lo. Dilma vive agora as
consequências dessa omissão e corre o risco de ser derrubada pelo Congresso que
já não se sacia com cargos.
Enquanto isso,
parte dos deputados petistas tenta um acordo com Cunha para salvar o pescoço de
todos, já que o peemedebista também está na berlinda. A bancada do PSOL fez o
mínimo que se espera de um partido, pediu ao Conselho de Ética a cassação de
Eduardo Cunha.
Cada vez mais
isolado, o governo assumiu uma agenda que contradiz todas as propostas
apresentadas durante o período eleitoral. A chamada Agenda Brasil prevê
retrocessos como o incentivo ao trabalho terceirizado, a cobrança de taxas para
a realização de procedimentos no SUS, a flexibilização da legislação ambiental
e a revisão da demarcação das terras indígenas.
Do outro lado, o
PSDB aposta na despolitização, num discurso de ética cínico que preserva Cunha
para tentar derrotar o governo. É a síndrome da moralidade seletiva.
As denúncias
contra o governo precisam ser investigadas, mas o debate político precisa ir
além do impeachment. Caso contrário, não conseguiremos compreender as raízes
históricas da crise e discutir o futuro do país. Precisamos pensar novas formas
de participação social, mecanismos para diminuir a influência do poder
econômico na política e superar o fisiologismo.
Ao tratar da
Proclamação da República em 1889, o jornalista Aristides Lobo escreveu que o
"povo assistiu àquilo bestializado". Após 126 anos, diante de uma
república que se permite ter Cunha na presidência da Câmara, não podemos ficar
bestializados. Em nome da res pública, algo precisa ser feito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário