Eike, um dia o maior bilionário do Brasil e um dos dez maiores
do mundo: nunca um empresário na América Latina caiu de
tão alto em tão pouco tempo.
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Com a conclusão,no fim de semana, da venda do hotel Glória para a empresa suíça Acron,
desfaz-se mais um elo da rede de negócios montada por Eike Batista, que começou
a perder chão no ano passado, quando o grupo mergulhou em profunda crise de
confiança. Hoje, a OGX, empresa principal do conglomerado (com o nome trocado para OGP, sem o X que
selava todos os empreendimentos de Eike), encontra-se em recuperação judicial,
negociada em acordo com os credores.
Em “Ascensão e
Queda do Império X”, Sergio Leo cativa o leitor com um texto fluente, em que
expõe com sobriedade e elegância de estilo a tragédia — é disso que se trata —
da carreira do empresário. Ainda um
desconhecido na década de 1980, após iniciativas de sucesso na exploração de minas de ouro, Eike foi
convidado a se associar a uma mineradora de porte modesto, no Canadá, a
Treasure Valley Explorations Ltd., que ele dirigiu e renomeou em 1986 como TVX
Mining Corp. e, depois, TVX Gold Inc. TVX era o símbolo da Treasure Valley na
bolsa canadense. O famigerado X vem daí, então entendido por Eike como
sinal de bom augúrio. “Quem se depara
com a letra a associa mentalmente a uma operação matemática, a algo que se torna
muitas vezes maior”, ele diz num livro-depoimento publicado em 2011: “O X da
Questão – A Trajetória do Maior Empreendedor do Brasil”. Nem mais, nem menos,
bem no gênero superlativo de falar e mostrar-se com que Eike se notabilizou. Em
vários trechos do livro de Sergio Leo, o empresário aparece na plenitude das
extravagâncias que o tornaram uma celebridade.
“Nunca um
empresário na América Latina caiu de tão alto em tão pouco tempo”, escreve
Sergio Leo, colunista do Valor. Em outubro de 2010, o valor das cinco empresas
do grupo X negociadas na bolsa de valores ultrapassaria R$ 95 bilhões. Desse
total, mais de R$ 72 bilhões eram ações da OGX, a empresa de petróleo criada
por Eike três anos antes, com capital de grandes investidores privados. O
empresário era classificado como o maior bilionário do Brasil e um dos dez
maiores do mundo. Passados três anos, em dezembro de 2013, o que havia para
noticiar — e, talvez, para Eike comemorar, na ressaca dos meses tormentosos
passados desde os primeiros sinais de que seu castelo de areia começava a ruir — era o acordo com os credores da OGX para
impedir que uma possível recuperação judicial da empresa terminasse em
declaração de falência.
Fechado na noite
de 24 de dezembro, o acordo entre mais de uma centena de executivos e advogados
da OGX, da OSX e credores da petroleira “deu de presente” ao ex-bilionário a
troca de US$ 5,8 bilhões em dívidas por participação acionária no
empreendimento. Eike ainda ficou com 9,4% da companhia e a garantia de que não
lhe cobrarão o US$ 1 bilhão que se comprometera a investir para salvar a empresa. “Quem recebeu
a negociação como um presente de 1.o de abril foram os minoritários, ao ver sua
participação de 50% da OGX se transformar em 5% do total das ações. Esses
pequenos acionistas passaram a mudança de ano ameaçando levar também os
credores à Justiça, por perdoarem, sem autorização, o compromisso de Eike para
com a OGX”, relata Sergio Leo.
O acordo, por
seus próprios termos, traz uma certa marca de esperança na recuperação da
empresa (no princípio de dezembro, a plataforma FPSO OSX-3 de extração de
petróleo entrou em operação no campo de Tubarão Martelo). Mas o X da figuração extrassensorial que Eike,
frequentador de mesas de videntes, considerava sinal de multiplicação, de bom
augúrio, não interessou aos que o tiraram do buraco: a empresa-mãe chama-se
agora OLP – Óleo e Gás Participações.
Há uma razão,
entre outras que se possam identificar ou vislumbrar, para explicar a
facilidade com que Eike trouxe para seu convívio tanta gente, entre
financiadores, investidores e fornecedores, seduzida pelas oportunidades de
negócios que oferecia e por sua indiscutível competência de estrategista do
próprio marketing: a conjunção dos mitos do vencedor que se fez sozinho, o
“self-made man do folclore americano, e do “visionário”, ambos com potencial
conhecido para causar impressão. O livro de Sergio Leo passa várias vezes por
aí.
Cultiva-se a
crença de que sempre será possível alguém fazer fortuna pelo próprio esforço,
vindo do nada, solitário na sua determinação e dedicação ao trabalho. Talvez
seja possível acumular algum capital, cavado com as próprias mãos, para fundar
o negócio de um sonho antigo. Daí para a frente, porém, se as aspirações forem
mais ambiciosas, a história a contar será diferente: alguma ajuda terá que vir
de fora e, não raro, na forma de um privilégio obtido por variadas formas de
interlocução política, esta sim, a verdadeira chave para o sucesso. É comum que
a esse primeiro momento se acrescentem outros, fortificadores das primeiras
posições de relevo alcançadas no mundo dos negócios. Não terá sido isso, porém,
que Eike disse ao “imigrante nordestino” que, conforme seu relato a uma
jornalista, o abordou, enquanto fazia seu “jogging”, e lhe perguntou se sabia
da importância de seu exemplo para quem sonha subir na vida. “Ele me abraçou e
começou a chorar. Chorei junto. Nunca imaginei algo assim”, disse Eike à sua
entrevistadora. A frase admite mais de uma leitura.
Também é
bastante difundida a ideia de que existiria uma categoria de iluminados,
chamados “visionários”, capazes de ver oportunidades de bons negócios onde
ninguém mais vê. Prefere-se ignorar o sentido ruim da palavra, de utopista,
devaneador, que se entrega a projetos de realização impossível. O “visionário”
tem apenas dons elogiáveis. Frequentemente, aqueles assim considerados já
ultrapassaram a fase inicial do empreendedor de horizontes ainda acanhados, e
circulam por órbitas de distinção que os habilitam a tratamento, inter pares
e/ou intragovernamental, de nível superior. Assim foi com Eike.
Juntados os dois
mitos, constroem-se os chamados grupos de interesses, redes de negócios em que
a gestão de risco assume características de aventura desfrutada apenas por
espíritos realmente fortes. Não é impossível
que incautos, pessoas de boa-fé, se deixem atrair, embora como
figurantes, para a mesa de apostas, seja como investidores, seja como
apoiadores, digamos, institucionais (como aconteceu no caso de Eike) – para
depois se arrependerem da colaboração impensada, ao saberem do real alcance dos
horizontes do “visionário”.
Qual terá sido o
“momento” explicador do salto de Eike Batista para o seleto mundo dos
bilionários? Pelo que se lê no livro de Sérgio Leo, podem ter sido vários,
alguns explicitados, outros, embutidos nas entrelinhas, mas todos daquele tipo
cumulativo de que se beneficiam os “visionários” de primeiro nível. Uma coisa
parece certa: o apoio paterno sempre foi importante. É praticamente impossível
dizer Batista e não se dar a imediata associação com Eliezer, pai de Eike, que
se notabilizou como desbravador de horizontes para a indústria mineral
brasileira, principalmente à frente da então Companhia Vale do Rio Doce,
atividade em que desenvolveu grande influência em vários governos e nos meios empresariais.
“O sucesso de
Eike no ramo da mineração o levou a ser acusado de receber do pai uma ‘mapa das
minas’, com detalhes das ocorrências de minério no país, que supostamente teria
sido obtido por Eliezer em suas passagens pelo governo”, lê-se no livro. “A
acusação nunca foi provada. Os êxitos do empresário no campo mineral [origem
primeira de sua fortuna] não são explicáveis especialmente por ‘achados’
fenomenais, e especialistas da área questionam a versão. O “mapa” que Eliezer
proporcionou ao filho, e que muito o ajudou e seu grupo de empresas X, foi
outro.” Sergio Leo menciona uma espécie de “mapa estratégico”, tão ou mais
valioso, quem sabe, que indicações sobre reservas minerais, como reza a lenda.
“O ex-presidente da então Vale do Rio Doce garantiu ao herdeiro, em momentos
decisivos da constituição do Império X, uma rede de conexões importantes com
figuras de peso do capitalismo brasileiro e da exploração de recursos minerais
do país.”
Pode-se dizer
que Eike foi um “excêntrico (assim, no tempo passado, já que esse está falando
da ruína de seu edifício de projetos frustrados), no sentido mais comum do
termo, que Sergio Leo usa. Mostrou-se, é verdade, uma pessoa de comportamento
estranho, incomum. Alguém, no Brasil pelo menos, já teve uma Mercedes McLaren
estacionada dentro de casa, como objeto decorativo? Eike, sim. Ele também
exigia que os valores de seus contratos terminassem em 3, por acreditar que daí
viriam bons fluidos, pelo fato de o algarismo coincidir com o dia de seu
aniversário. E adotou o número 63, da lancha com que venceu uma competição,
como dezena de sorte e a incluía entre os centavos de todas as transações
financeiras importantes que fazia e nos lances oferecidos para compra de blocos
de exploração de petróleo. São exemplos de suas esquisitices. Sergio Leo conta
outras.
Contudo, no
sentido etimológico mais estrito, Eike não foi um excêntrico, e isso também se
vê no livro. Porque “no centro” ele
sempre esteve, considerando-se as atenções que mereceu de apostadores do
mercado financeiro, especialmente os da área de renda variável, de políticos
influentes, de governantes (incluída a presidente da República). E teria que
estar “no centro”, claro, para merecer as atenções dos responsáveis, digamos,
no BNDES, pelo amparo a projetos de grupos empresariais brasileiros
supostamente destinados a brilhar como
estrelas globais de primeira grandeza.
A inclusão de
investidores estrangeiros na apresentação de seus projetos, apenas interessados
ou efetivamente conquistados – sua capacidade de convencimento não conhecia
fronteiras – ajudava, e muito, na conquista de simpatias e estabelecimento de
parcerias. Também aquelas em que entraram fornecedores, que viam no detalhe
mais um dado positivo no cadastro de Eike. Não podiam imaginar que iriam
amargar a decepção de não merecerem, da parte de executivos de suas empresas, qualquer resposta a emails
em que pediam explicação para pagamentos não honrados. Eram os tempos de
esquiva a compromissos de milhões e milhões de reais, que antecediam a quebra
exposta do grupo, com a declaração, aí sim aberta, de insolvência. Esfumava-se
a figura do “visionário” vencedor.
O livro de
Sergio Leo é uma boa tentativa para se compreender o fenômeno Eike Batista –
ele mesmo e sua indiscutível capacidade de autopromover-se, “e as jogadas, as
trapaças e os bastidores da fortuna de mais de US$ 34 bilhões que virou pó”. É
um texto de conteúdo, que se contrapõe ao quadro esquemático de
superficialidades de interpretação em que olhares apressados elevavam as
iniciativas de Eike a alturas superiores
de competência. E, assim, ele foi também coroado, em pesquisas entre
executivos brasileiros, como o líder empresarial mais admirado, à frente, por
exemplo, de nomes tradicionais do mundo dos negócios, como Antônio Ermírio de
Moraes e Jorge Gerdau.
Eike era
moderno, ousado, selava seus projetos com as mais recentes expressões do
“estado da arte”. Impressionava. Mas Eike não foi uma estrela solitária, “não
foi o único a aproveitar o mercado de capitais para financiar seus delírios com
a confiança alheia”, ostentando números que constituíam elementos de sedução
generalizada.
Eike “também não
foi o único a fazer sucesso na bolsa com empresas pré-operacionais, sem fonte
de receita e movidas a expectativas de produção futura. Mais ainda, as
companhias do Império X, além da ajuda oficial e da espantosa incompetência dos
órgãos de fiscalização, beneficiaram-se de um fenômeno pouco divulgado, o da
mistura de interesses no setor financeiro, em que bancos remunerados de acordo
com a valorização das ações de uma empresa são os mesmos que avaliam e
recomendam a compra dessas ações”.
“A queda
fragorosa do Império X não foi resultado da queda em desgraça de um eleito
pelos poderosos, como já se viu na história do capitalismo brasileiro. Ela é um
sintoma da fragilidade do sistema financeiro nacional, que deveria propiciar
aos empreendedores fontes de financiamento ao abrigo dos humores do Estado, mas
segue, em menor escala, sujeito a desvios como o que elevou o Sr. X ao topo de
um gigantesco castelo de cartas.”
“A ambição e a
megalomania de Eike apenas criaram uma vitrine de luxo para os riscos a que
estão sujeitos os investidores dispostos a acreditar em lendas empresariais sem
dar a devida atenção à história e ao comportamento de seus heróis.” Tudo foi
acontecendo como se nunca tivesse existido o Eike de um colar inteiro de
fracassos, como o da eBX, a empresa de entregas expressas com que pretendeu
concorrer com os Correios, ou a montagem de um jipe, o JPX, uma completa
anomalia tecnológica-mecânica (de que o Exército comprou algumas centenas), ou,
como diz Sergio Leo, “o delírio anedótico” de fabricação de um “tuk tuk”, como
aqueles que infestam as ruas da Índia, para entregar encomendas da eBX. “O tuk
tuk nacional, que seria,após o frustrado JPX, mais um ensaio de “sinergia”
entre empresas X, não foi além da prancheta dos engenheiros. Durou bem menos
que tentativas futuras, também fracassadas, de ligar entre si operações das
empresas do grupo – o grande equívoco que ajudou a transformar o mergulho
empresarial de Eike em colossal naufrágio.”
O livro de
Sergio Leo também sugere, por associação temática e de circunstâncias que
explicam a escalada do Império X, a leitura de “The Watchdog that Didn’t Bark – The Financial Crisis and
the Disappearence of Investigative Journalism” (O cão de guarda que não latiu –
A crise financeira e o desaparecimento do jornalismo investigativo), de Dean Starkman, agora publicado nos Estados
Unidos (Columbia University Press, 2014). O livro de Starkman, editor da
“Columbia Journalism Review”, é um libelo contra a imprensa americana, que,
habituada à valorização do acesso privilegiado a informações, mesmo que sobre
fatos mal verificados ou de importância discutível, tornou-se cúmplice dos que,
no mercado financeiro, operavam o
sistema que produziria a crise de 2007/2008.
“No auge da
trajetória de Eike e sua corporação X”, diz Sergio Leo em seu livro, “o
ambiente global era favorável aos ousados, especialmente nos chamados mercados
emergentes. Gestores de fundos bilionários no exterior eram pressionados pelos
investidores a aumentar a rentabilidade de suas aplicações, em um mundo no qual
os juros dos países desenvolvidos eram negativos, abaixo da inflação, e
começavam a escassear opções de onde arrancar bons rendimentos”. No Brasil, “a
economia se destacava entre os países em desenvolvimento, parecia atravessar
sem danos aparentes a crise desencadeada pelo estouro da bolha imobiliária nos
Estados Unidos e chegaria ao ano de 2010 com um estonteante crescimento anual
de 7,5%,o maior desde 1986” .
Se a bolha de
Eike cresceu ao ponto que chegou, não há dúvida de que, além dos olhos
semi-cerrados de órgãos reguladores e financiadores, também aqui faltou vontade
jornalística de se compreender que havia um desastre em formação, como,
judiciosamente, conclui Sergio Leo, por outras palavras.
No fim do século
XIX, Mark Twain escreveu um ensaio, “On the Decay of the Art of Lying” (Sobre a
decadência da arte de mentir), em que, com o sarcasmo que lhe era peculiar,
perguntava: “Que chance terá o mentiroso ignorante, não cultivado, contra um
especialista educado?” Dizia então que, se mentir é um hábito universal, porque
“todos mentimos”, então, tratemos de treinar diligentemente para “mentir
judiciosamente, com bons propósitos, para benefício dos outros, não para o
próprio”. Devemos mentir “caridosamente, humanitariamente, não cruelmente, nem
maliciosamente”. Devemos mentir “com graça, com firmeza, com a cabeça erguida”.
Substitua-se “mentir” por “iludir”. Parece ter sido o caso de Eike Batista, a
julgar por seu discurso sempre ilustrado por referências, claras ou implícitas,
ao que seria a contribuição de suas iniciativas para o desenvolvimento
nacional. Era como se ele trabalhasse pelo interesse público.
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