Ao incluir a África dentro do seu "entorno
estratégico" e ao se propor aumentar sua influência no continente
africano, o Brasil precisa ter plena consciência que está entrando num jogo de
xadrez extremamente complicado. Porque já está em pleno curso - na 2ª década do
século XXI - uma nova "corrida imperialista" entre as "grandes
potências" e um dos focos desta disputa é, mais uma vez, a própria África.
E não é impossível que as velhas e novas potências envolvidas
na disputa pelos recursos estratégicos da África voltem a cogitar a
possibilidade de estabelecer novas formas maquiadas de controle colonial sobre
alguns países africanos, que eles mesmos criaram depois da Segunda Guerra
Mundial.
A África é o segundo maior e mais populoso continente do
mundo: tem uma área de 30.221. 532 km2 e uma população de cerca de 1 bilhão de
habitantes, 15% da população mundial. O continente inclui a ilha de Madagascar,
vários arquipélagos, 9 territórios e 57 Estados independentes. Os europeus
chegaram à costa africana e iniciaram seu comércio de escravos negros no século
XV e XVI, mas foi só no século XIX que as grandes potências europeias ocuparam
e impuseram sua dominação em todo continente, menos a Etiópia. A independência
africana, depois da Segunda Guerra Mundial, despertou grandes expectativas com
relação aos seus novos governos de "libertação nacional" e seus
projetos de desenvolvimento.
Não é impossível que as potências cogitem novas formas
maquiadas de controle colonial sobre alguns países africanos
Este otimismo inicial, entretanto, foi atropelado por
sucessivos golpes e regimes militares, e pela crise econômica mundial que
atingiu todas as economias periféricas na década de 70, provocando prolongado
declínio da economia africana. Na década de 90, inclusive, se generalizou em
alguns círculos a convicção de que a África seria um continente
"inviável" e marginal dentro do processo vitorioso da globalização
econômica. E de fato, naquela década, apenas 1% do fluxos dos Investimentos
Diretos Estrangeiros de todo o mundo foram destinados aos 57 países africanos.
Depois de 2001, entretanto, a economia africana ressurgiu, acompanhando o novo
ciclo de expansão da economia mundial, semelhante àquele ocorrido na América do
Sul.
Esta mudança radical da economia africana se deveu sobretudo
ao impacto do crescimento econômico da China e da Índia, que consumiam 14 % das
exportações africanas, em 2000, e hoje consomem 27%, o mesmo que Europa e
Estados Unidos, os antigos "donos" comerciais do continente. Na
direção inversa, as exportações asiáticas para a África vêm crescendo a uma
taxa média de 18% ao ano, junto com os investimentos diretos chineses e
indianos, sobretudo em energia, minérios e infraestrutura. Neste sentido, não
cabe mais dúvida, devido ao volume e à velocidade dos acontecimentos: a África
é hoje o grande espaço de "acumulação primitiva" asiática e uma das
principais fronteiras de expansão econômica e política da China e da Índia.
O problema é que neste mesmo período, os Estados Unidos
também aumentaram seu envolvimento militar e econômico no continente, em nome
do combate ao terrorismo e da proteção dos seus interesses energéticos,
sobretudo na região do "Chifre da África" e do Golfo da Guiné, que
deverá estar cobrindo aproximadamente 25% das importações americanas de
petróleo até 2015.
E o mesmo aconteceu com a União Europeia, e em particular,
com a França e a Grã Bretanha, que inclusive participaram nesse período de
intervenções militares diretas no território africano. E a própria Rússia tem
intensificado seus acordos envolvendo venda de armas e alguns projetos
bilionários de suprimento de gás para Europa, através da Itália e do deserto do
Saara.
A relação do Brasil com a África, durante quase todo o século
XX, foi de estranhamento e submissão aos interesses das potências coloniais
europeias e à estratégia americana da Guerra Fria. Foi só no início da década
de 60 que esta posição mudou pela primeira vez, com a "política externa
independente"- PEI, dos governos de Jânio Quadros e João Goulart, entre
1961 e 1964, política que foi retomada durante o governo Geisel e depois foi
relaxada durante os governos neoliberais da década de 90.
Só agora, no início do século XXI, o Brasil retomou e assumiu
explicitamente seu interesse estratégico na África, propondo-se irradiar sua
liderança e projetar sua influencia política e econômica, sobretudo na sua
região subsaariana. O Brasil é o único país sul-americano que é também negro e
que tem excelentes oportunidades econômicas no território subsaariano, em
infraestrutura e serviços, mas também na indústria e na capacitação da sua mão
de obra. Entretanto, para manter sua decisão estratégica e conquistar espaços,
o Brasil tem que estar disposto e preparado para enfrentar a pesada
concorrência das velhas e novas potências, como China e Índia, que têm muito
maior capacidade imediata de mobilização econômica e militar.
E terá que começar pela conscientização e mobilização da sua própria sociedade, e em particular, de suas elites brancas que sempre tiveram enorme dificuldade de reconhecer, aceitar e valorizar as raízes africanas e negras do seu próprio país.
José Luís Fiori, professor titular de economia política
internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora
Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global
e a Geopolítica do Capitalismo". Escreve mensalmente às quartas-feiras.
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