A piada pronta é irresistível .
Se aparece na timeline do Facebook, seria impossível dar um like para a
pesquisa publicada pela Public Library of Science na segunda quinzena de
agosto, conduzida pelo Laboratório de Estudo da Emoção e do Autocontrole da Escola
de Psicologia da Universidade de Michigan. O estudo, comandado pelo professor
do Instituto de Pesquisas Sociais da U-M Ethan Kross, em parceria co Phillipe
Verduyn, da Universidade de Leuven, na Bélgica, concluiu que quanto mais usa o
Facebook mais infeliz solitário o sujeito é.
Inovadora por ser a primeira a
acompanhar a rotina de dezenas de usuários da rede social por um período
determinado, a análise empírica, centrada em jovens com menos de 30 anos,
possibilita entender um pouco melhor os contornos do Homo digitalis anunciado na década de
90 pelo americano Nicholas Negroponte, um dos criadores do celebrado Media Lab
do Massachusetts Institute of Technology. Outras pesquisas divulgadas neste ano
revelam um aparente paradoxo: ao mesmo tempo que redes sociais, notadamente o
Facebook e o Twitter, são apresentadas como importantes ferramentas para o
ativismo social e político, estudiosos apontam para o incremento da sensação de
solidão e um aumento de polarização ideológica. com a tendência de os usuários
dialogarem com indivíduos de posição política e comportamental similares às
suas, e criticam a ideia de que essas plataformas, por sua natureza, exporiam
os usuários a uma quantidade anteriormente inimaginável de pontos de vista. "
A contradição existe, mas
não me surpreende. A amizade é algo que vai além da comunicação, é a sensação
de comunhão com o outro. Esse sentimento pode dar-se pela troca de ideias, ou
mesmo de imagens, como no Instagram. Mas é mais intensamente realizado pela
proximidade humana. Frequentemente, os momentos em que nos sentimos mais
próximos de outro ser humano são aqueles em que estamos fisicamente juntos, mas
não dizemos nada", filosofa o sociólogo Stephen Duncombe, especialista em
novas mídias do Departamento de Mídia, Cultura e Comunicação Social da
Universidade de Nova York.
A investigação sobre o perfil do
usuário das redes sociais não é uma novidade em si. Artigos que conectam o
Facebook ao aumento de ciúme nas relações amorosas, à tensão social em nível
individual (bullying, preconceito), à tendência ao isolamento e ao aumento de
depressão são recorrentes, com base científica ou mesmo a partir de exemplos
cotidianos, como a quantificação da manifestação de ódio por nordestinos após o
resultado das eleições presidenciais brasileiras cm 2010 ou o infográfico
elaborado por um grupo de advogados especializado em divórcios nos EUA para
demonstrar como a traição digital pode ser um problema real na hora da
separação. A diferença fundamental no estudo da U-M é a de se propor a ir além
do mero registro de tendências ou da captura de um momento específico.
A equipe de Kross recrutou 82
jovens para o experimento. Curiosamente, quem topasse responder aos
questionários elaborados pelos especialistas concorria à rifa de um tablet, o
iPad. As perguntas eram enviadas diariamente cinco vezes, das 10 da manhã à
meia-noite, por 14 dias, de forma ininterrupta, via mensagens de texto por
celular. Os participantes também receberam uma pequena gratificação, 20 dólares
cada. A periodicidade da consulta é um dos fundamentos do estudo. "Com
isso fomos capazes de mostrar como o ânimo dos usuários mudava de acordo com o
uso que cada um fazia do Facebook"! explica Kross.
Os 82 jovens de Ann Arbor, no
Michigan, centro universitário do Meio-Oeste americano com cerca de 345 mil
habitantes, foram instados a dar uma nota para a satisfação obtida consigo
mesmo antes do início da pesquisa e no derradeiro dia de estudo. A exposição ao
Facebook apareceu diretamente ligada à sensação de infelicidade: quem passava
mais tempo no site. mais infeliz havia ficado duas semanas depois da largada da
pesquisa. Por outro lado. quanto maior o contato social direto, com amigos de
carne e osso, sem mediação digital, maior a sensação de felicidade.
Se comparado ao universo do
Facebook - mais de 1 bilhão de indivíduos no planeta possuem u ma conta do
serviço - o estudo da U-M é estatisticamente limitado. E os pesquisadores não
buscaram respostas para os motivos de resultados diferenciados entre a
socialização virtual e a presencial. Em entrevista à Fast Company, o cientista
levanta a possibilidade de o Facebook ativar u m poderoso processo de
comparação social. "Os indivíduos tendem a postar informação, fotos e
anúncios que fazem com que suas vidas pareçam sensacionais. Exposição frequente
a esse tipo de informação pode levar o outro a sentir que sua vida é, em
comparação, pior. Essa é uma das possíveis explicações. Mas outro fator pode
ser a falta de interação direta com os outros."
Outra pesquisa apresentada cm
fevereiro pelos cientistas sociais alemães das universidades de Humboldt e
Darmstadt aventurou-se por esse campo ao entrevistar 584 usuários da principal
rede social da internet. Foi positiva a resposta à pergunta proposta no título
do estudo: "Inveja no Facebook: uma Ameaça Escondida à Felicidade dos
Usuários?" A inveja, dizem os alemães, foi a emoção mais comum entre os
voluntários (jovens com menos de 30 anos), despertada justamente pela
comparação entre as vidas dos usuários c aquelas dos amigos cuja existência
idealizada aparentava estar à beira da perfeição.
Os professores Peter Bauxmann e
Hanna Krasnova criaram a imagem de uma "espiral da inveja",
especialmente doloroso para os "usuários passivos", que postam menos
e experimentam a rede como testemunhas das conquistas sociais dos outros, tal
qual estes as editam nas redes sociais.
"Os usuários percebem o
Facebook como um ambiente estressante, o que poderá, no longo prazo, ameaçar a
sustentabilidade da plataforma", anotam os pesquisadores.
O Facebook vai muito bem,
obrigado. Na mesma semana em que a pesquisa da U-M recebia os holofotes da
mídia. Mark Zuckerberg&cia, anunciavam que pouco mais de 40%dos
norte-americanos,ou 128 milhões de indivíduos, se conectavam ao site
diariamente. Segundo estimativa do banco Morgan Stanley, o mercado de vídeos de
propaganda vai garantir cerca de 1 bilhão de dólares em 2014 e 6,5 bilhões em
2020. Em janeiro, a empresa anunciou ter alcançado a marca de 1,06 bilhão de
usuários. O Brasil aparece entre as cinco nações com o maior número de
conectados, ao lado de EUA, índia. Indonésia e México.
A imagem de um brucutu na frente
do computador, do Homo digitalis triste, solitário, invejoso e radicalizado
pelos guetos virtuais, antítese da ideia de que as redes sociais seriam
plataformas intrinsecamente democráticas e inclusivas, é obviamente repudiada
pelos criadores do Facebook. Retratado no filme A Rede Social, de David
Fincher, vencedor de três prêmios Oscar em 2011, como um autista social.
Zuckerberg anunciou. juntamente com os números acima citados, a criação da
internet.org, um consórcio do site com o browser Opera, a empresa especializada
em tecnologia wireless Mediatek e os fabricantes de smartphones Nokia, Samsunge
Ericsson para estimular a conexão digital de indivíduos de baixa renda. O
objetivo,dizem os envolvidos, é combater o fosso digital e a desigualdade
social. Zuckerberg defende a ideia de que o direito à conexão,para o Homo
digitalis, se equipara aos direitos humanos essenciais como a liberdade de expressão
e alimentação.
Os muitos artigos sobre a
importância das mídias sociais para o apoio social aos movimentos políticos,
como a Primavera Árabe e o Ocupem Wall Street, também levaram pesquisadores a
investigar recentemente, e de forma mais detalhada, o uso, no longo prazo,
dessas plataformas na obtenção de informação e debate de ideias. Dois
cientistas especializados em computação social do Instituto de Pesquisa e
Informática do Catar, Ingmar Weber e Venkata Garimella, investigaram.com o
apoio de um analista do canal de tevê Al-Jazira,, o papel das redes sociais no
acirramento das posições políticas no Egito. Baseados em uma amostra de 17
milhões de tuítes publicados por 7 mil egípcios de janeiro a junho deste ano.
os pesquisadores separaram as mensagens em duas categorias, secularistas e
islamitas. E investigaram a evolução das hashstags, o #, um dos principais
símbolos do Twitter, usadas na classificação de tópicos: se elas apontariam
para uma ênfase na multiplicação de guetos ou, ao contrário, se permitiriam
maior troca de ideias, ainda que aparentemente alienígenas para um grupo ou
outro.
Na conclusão, os pesquisadores
criaram o termo "barômetro da tensão", em que hashstags como Morsi
(em referência ao presidente de posto Mohamed Morsi) ao mesmo tempo
incrementavam a polarização na rede e eram coincidentes com um aumento de
violência no mundo real. Ainda assim. Weber e Garimella não chegaram a nenhuma
conclusão sobre "causa efeito"e não chegaram à conclusão sobre se as
redes sociais transportariam o estresse e a insatisfação pessoal para o
universo político.
Doutora pela UFRJ, professora de
Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense e estudiosa dos dilemas
éticos nas novas mídias, Sylvia Moretzsohn considera ser esta uma tarefa
dificílima. "É possível que Weber e Garimella estejam no caminho certo. o
de se verificarem a repercussão e a realimentação de tuítes!na relação mundo
virtual/mundo presencial, mas a tendência das redes sociais sempre foi a
guetização, oposta a disseminação de ideias conflitantes que permitiriam a
ampliação da capacidade de conhecimento e de critica dos usuários. Veem-se, em
geral. ;t cristalização de opiniões, a rejeição ao contraditório e a reprodução
de certos clichês ideológicos que apaziguam a consciência daqueles que têm
convicções e não estão abertos ao debate. Mas esse é também o comportamento
normal do senso comum, e não é surpresa que ele se reproduza nas mídias
sociais."
Kika Serra, também da UFRJ, é
mais otimista. "Entre os extremos de comportamento, entre islamitas e
secularistas, entre a tolerância e a intolerância, existe um mar de indivíduos
que não têm o há-bito de formular opinião sobre nada. Elas buscam nas redes
sociais interpretações de mundo. O filtro é mais permeável, justamente por não
terem perfil político definido."
Para Moretzsohn, as pesquisas
mais recentes não devem ser analisadas a partir da premissa de que novidades
tecnológicas têm a capacidade de transformar profundamente as relações sociais.
É o equívoco de se maximizar a importância da tecnologia cm nossas vidas e
atribuir a ela as benesses e mazelas do mundo contemporâneo."
No estudo dos meios de
comunicação de massa,diz Ducombe,da NYU, cada nova mídia tende a ser apontada
como a origem dos males ou a solução dos problemas intrínsecos de uma sociedade
brutalizada. "As sociedades tendem a se apropriar das tecnologias e
usá-las de modo utilitário, reflexo de suas próprias necessidades. O livro foi
tanto uma resposta quanto um alavancador do nascente individualismo. Os filmes
são uma consequência e retrato direto da sociedade de massas. Seria mesmo um
acidente o Facebook e afins, com sua ênfase em uma rede de 'amigos*, termo
largamente reduzido ao histórico da carreira profissional e às preferências de
consumo, se tornarem a escolha preferencial de comunicação da sociedade
neoliberal globalizada? Simples assim: temos o tipo de comunicação que
merecemos."
Revista Carta Capital - Eduardo Graça - Edição 768
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