O segredo da juventude eterna nãoé fingir que a velhice nunca chega. Chega para nós, para nossos familiares e
para quem mais tiver sorte. Fazer vista cansada para a última e cada vez mais
longa fase da vida pode fazer com que ela não seja aproveitada em sua
plenitude. Da mesma forma que a desinformação e a falta de cuidado atrapalham
na infância, adolescência e vida adulta, também podem prejudicar os idosos. Mas
muitas vezes a simples aceitação da necessidade de adaptações cotidianas pode
ser dolorosa para toda a família. “Ajuda precisamos todos, sempre, em qualquer
fase da vida. Então, não é uma coisa estranha que alguém precise de alguma
colaboração em alguma coisa”, lembra a psicanalista Délia Goldfarb, diretora da
organização Ger-Ações. Não é estranho, mas reconhecer e aceitar as novas
necessidades costuma ser difícil.
Perceber que adaptações simples,
como ver que o tapetinho da sala pode estar se tornando uma ameaça à segurança
de um familiar – ou à sua própria – é um processo doloroso, que mexe com a
dinâmica dos relacionamentos. Mas é o primeiro e importante passo para realizar
adaptações para evitar acidentes e promover qualidade de vida. A mortalidade de
idosos com 60 anos ou mais por quedas, no Estado de São Paulo, aumentou quatro
vezes nesta década, segundo balanço da Secretaria de Estado da Saúde. O índice
passou de 7,6 óbitos por 100 mil idosos em 2000, para 28,4 mil em 2008. As
quedas, por definição, são causas evitáveis. E a maior parte delas acontece em
casa.
Mesmo as quedas mais leves podem
ter consequências. “Quem cai fica com medo e vergonha de cair de novo. Isso
leva a um círculo vicioso, porque a pessoa começa a se restringir em termos de
atividades. A inatividade gera imobilidade, que por sua vez diminui a força, a
massa e o tônus, e aí, vai cair de novo”, diz Sérgio Paschoal, coordenador do
programa de prevenção de quedas do Hospital das Clínicas, em São Paulo. “Aí a
família superprotege, começa a só deixar sair acompanhado. Além de tudo leva a
isolamento social, depressão e até institucionalização”.
Banheiro
Banheiro adaptado na Vila
Dignidade, em Avaré (SP)
“O banheiro é um local em que se
cai muito. As pessoas molham o piso e vira um verdadeiro sabão. Às vezes não
tem como trocar o piso, mas há alguns tapetes de borracha que grudam no chão –
não pode ser qualquer um, porque se for um que escorregue é pior", explica
Sérgio Paschoal, coordenador do Programa de Prevenção de Queda. "Mesmo se
o piso for antiderrapante, você tem que ter barras de apoio sólidas. No mínimo,
a velocidade e a energia da queda serão menores”, completa. Segundo ele, as
barras são importantes também para evitar que as pessoas usem alternativas de
apoio, como a torneira, que podem agravar a queda. “Existem adaptações muito
legais, que são cadeiras pregadas na parede, cujo assento é dobrável para a
parede. A pessoa desdobra, senta e toma banho mais tranqüilo”, diz.
Ainda no banheiro, é fundamental
que o vaso sanitário seja elevado e tenha barras laterais ou apoio para os
braços. “Se a pessoa não tiver força no quadríceps, ela desaba, pode até
quebrar o vaso e se machucar mais ainda”, diz Sérgio. As antigas adaptações de
alvenaria para elevar o vaso sanitário causavam má-impressão e era evitadas em
muitos casos em que eram necessárias. Hoje, é possível encontrar assentos
removíveis em casas de materiais cirúrgicos: causam menos impacto visual e
permitem que o banheiro seja usado também por quem dispensa a adaptação. Mesmo
que haja uma resistência inicial a essas adaptações, o coordenador do Programa
de Prevenção de Quedas explica que, em sua experiência, elas acabam sendo
aprovadas pelos idosos, porque permitem que eles dispensem ajuda.
Corredor
Um dos lugares mais perigosos de
uma casa, segundo Sérgio Paschoal, é o caminho do quarto para o banheiro. E
isso tem muito a ver com a iluminação. Ao mesmo tempo em que é melhor evitar
superfícies e lâmpadas muito brilhantes porque os olhos já não se adaptam com
tanta rapidez à claridade, é fundamental que exista uma iluminação acessível.
“Tem que ter iluminação fácil. Ou se deixa uma luz permanentemente acesa ou
algo que não é preciso procurar muito, como os abajures que acendem com um
toque. Não adianta ter uma luminária em que é preciso procurar o interruptor.
Esse problema de sair do escuro para o claro é muito sério”, explica.
Uma regra que vale para a casa
toda é especialmente importante neste trajeto: o caminho tem que estar sempre
completamente livre. “O tapetinho é o grande vilão. Mas também tacos soltos,
carpetes com sobras e dobras, fio de telefone, brinquedos, móveis baixos e com
pontas, animais de estimação pequenos, tudo isso é um prato cheio para quem tem
um andar mais arrastado sofrer um acidente.”
Escada
Tricia Vieira / Fotoarena
As casas adaptadas da Vila
Dignidade são térreas e com espaços amplos e sem obstáculos
As escadas completam o trio
crítico de áreas da casa no que diz respeito a quedas. O pior tipo é a escada
tradicional de sobrado, com janela no topo e iluminação frontal. “A luz bate de
frente e quem olha para baixo não vê o degrau”, explica Sérgio. O ideal é que
os carpetes sejam evitados. Se houver, devem ser sem estampas – que enganam o
olhar – e perfeitamente lisos e esticados. Além disso, é bom que exista uma
sinalização de cor contrastante na ponta do degrau. O corrimão deve ser firme,
ficar dos dois lados, começar antes da escada e terminar um pouco depois. A
altura do degrau também não pode variar. “Não pode ter altura de degrau
variada. Seu corpo se acostuma com aquela altura e não precisa nem ser idoso
para tropeçar.”
O melhor ponto de partida é
diferenciar autonomia e independência. Depender de apoio para realizar
atividades diárias, como fazer a própria higiene e se vestir tira um pouco da
independência, mas não nos tira a autonomia de decidir sobre a própria vida.
Falta de autonomia é quando já não se pode decidir sobre coisas essenciais de
sua vida. À medida que o tempo passa, vamos perdendo primeiro essa
independência relativa, e depois a autonomia. Não conseguir fazer as atividades
da vida diária não significa que a pessoa está doente, significa uma
fragilidade.
Chegando lá
A parte prática das adaptações
pode ser muito mais simples do que a conversa familiar necessária para chegar
lá. “À medida que o tempo passar, você vai precisando de mais recursos para
fazer as coisas com segurança. A questão é se você tem ou não consciência
desses recursos. Se a pessoa é consciente e com bom senso, vai construindo
essas adaptações. E se existe um bom diálogo familiar, vai construindo essas
adaptações com a família”, explica Délia. “Agora, se é uma família altamente
conflitiva – porque um pouco todas são –, onde nunca houve diálogo sobre as
necessidades de qualquer um de seus membros, e as necessidades não foram
respeitadas, aí o diálogo vai ser mais difícil e o processo de criar adaptações
também.”
Se a conversa em casa estiver
muito complicada, a saída é procurar a ajuda de profissionais. “Se a família
sozinha não consegue produzir essa mudança ou a produz com um custo emocional
alto demais, se alguém está sofrendo muito por isso, existem profissionais que
orientam, que ajudam, que apóiam. Hoje em dia na gerontologia tem muitos
profissionais que se dedicam exatamente a essas intervenções familiares de
acompanhar essa mudança, que vão construindo caminhos para esse diálogo que
falta”, orienta Délia.
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