domingo, 22 de janeiro de 2012

Mal na foto: a revolucionária Kodak não soube se reinventar

Especialistas falam sobre a concordata da empresa ícone da fotografia no século XX
Atualmente, a velocidade cada vez mais rápida com que inovações tecnológicas são agregadas ao mercado expõe o quão efêmeros podem ser produtos, hábitos de consumo e, principalmente, empresas.

Uma eventual derrocada da Kodak — que está prestes a ser expulsa da Bolsa de Nova York e, nesta quinta-feira, entrou com pedido de recuperação judicial — pode deixar órfãos milhares de fotógrafos e artistas que aprenderam a retratar o mundo partir das invenções da empresa.

— Se algum dia todos nós viramos fotógrafos, foi por causa da Kodak. Até o advento da câmera fotográfica portátil da Kodak, a fotografia existia somente como algo em que 99% das pessoas se deixavam fotografar e apenas 1% fotografava — afirma Dante Gastaldoni, professor de fotojornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). — A empresa teve uma função social gigantesca de popularizar a fotografia.

Criada em 1881 pelo americano George Eastman, a Kodak foi responsável por invenções e produtos que revolucionaram o mundo da fotografia, alterando a percepção das pessoas em relação à imagem.

O lançamento de sua Câmera Kodak — que acabou por virar o nome da empresa —, em 1888, representou a criação da máquina fotográfica compacta e ocasionou uma revolução da fotografia amadora. Pequena e portátil para os padrões da época, a Kodak era vendida por apenas US$ 25 e saía de fábrica carregada com um filme que permitia até cem fotografias. Ao fim do filme, seus donos poderiam retornar a máquina para uma loja Kodak, que revelava as fotos e, por mais US$ 10, devolvia o aparelho novamente carregado. Foi o início de um fenômeno que hoje, na era da fotografia digital, faz-se mais presente do que nunca com a facilidade de acesso a câmeras fotográficas de diversos tamanhos e formatos.

— Ironicamente, a Kodak nos deixou vislumbrar um mundo do qual ela foi vítima. Quando a empresa criou o slogan “Você aperta um botão, nós fazemos o resto”, ela não imaginava que pudesse estar abrindo as portas para um mundo que descambou no digital e que está contribuindo para seu próprio fim — afirma Dante. — Uma câmera digital é a representação máxima do slogan criado por George Eastman.

Referência na era analógica, a Kodak começou seu declínio econômico na década passada, com a emergência e a popularização da fotografia digital. Apesar de ter sido a inventora da primeira câmera na nova mídia, em 1975, a empresa jamais conseguiu capitalizar-se com sua invenção e fazer frente à evolução tecnológica de celulares, gadgets e câmeras digitais compactas que, no fim do século XX, tomaram a dianteira do mercado. Em 2009, num simbólico sinal dos novos tempos, a Kodak anunciou que pararia de fabricar, após 74 anos de produção, o filme colorido Kodachrome, um de seus ícones.

Para Armando Castelar, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), crises em empresas representativas como a Kodak são naturais e inevitáveis em qualquer setor.

— A falência de grandes empresas que já foram referências em seus campos de atuação é um processo recorrente e acontece, basicamente, por mudanças tecnológicas, como é o caso da Kodak — afirma o economista. — O principal valor de mercado da Kodak vinha de suas patentes no campo da fotografia analógica. A partir do momento em que o digital foi criado, popularizou-se e gerou pouca necessidade do uso de filme e papel, grande parte do valor da empresa desapareceu — afirma Castelar.

Para Patrícia Gouvêa, artista visual e fundadora da escola de fotografia e arte Ateliê da Imagem, o possível fim da Kodak surge como uma melancólica notícia para o mundo da fotografia profissional e para as gerações anteriores ao digital.

— A situação da Kodak deixa qualquer profissional da imagem que se formou e cresceu com a fotografia analógica muito triste. Apesar de nos últimos anos o filme fotográfico ter perdido espaço no mercado para a fotografia digital, ele ainda é muito usado por profissionais, principalmente em projetos artísticos. Grandes fotógrafos como Sebastião Salgado e César Barreto utilizam filme em seus trabalhos — afirma Patrícia, que diz esperar que a empresa consiga se reerguer tal como fez a Polaroid, que chegou a pedir falência em 2001 e hoje tenta se reinventar, tendo inclusive contratado como diretora criativa a cantora Lady Gaga.

Para Castelar, as chances de uma empresa beirar a falência e dar a volta por cima existem, apesar de difíceis.

— Depende muito das características da empresa, se ela repousa seu valor somente sobre um determinado produto ou se ela consegue criar alguma inovação tecnológica de mercado interessante.

Mas é possível. O maior exemplo disso é a própria Apple, que criou o computador pessoal, passou por uma grave crise durante a década de 1990 e hoje acena como a empresa mais valiosa do mundo por ter sabido se reinventar — afirma Castelar.

O Globo - Digital & Mídia



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