O presidente da Câmara, homem ilibado que o procurador-geral
da República definiu singelamente como "delinquente", apressa-se em
criar uma comissão de impeachment com mais da metade de deputados indiciados a
fim de afastar uma presidenta acusada de "pedaladas fiscais" em um
país no qual o orçamento é uma mera carta de intenções assumida por todos.
Se valesse realmente este princípio, não sobrava de pé um
representante dos poderes executivos. O que se espera, na verdade, é que o
impeachment permita jogar na sombra o fato de termos descoberto que a
democracia brasileira é uma peça de ficção patrocinada por dinheiro de
empreiteiras. Pode-se dizer que um impeachment não é um golpe, mas uma saída
constitucional. No entanto, os argumentos elencados no pedido são risíveis,
seus executores são réus em processos de corrupção e a lógica de expulsar um
dos membros do consórcio governista para preservar os demais é de uma evidência
pueril. Uma regra básica da justiça é: quem quer julgar precisa não ter
participado dos mesmos atos que julga.
O atual Congresso, envolvido até o pescoço nos escândalos da
Petrobras, não tem legitimidade para julgar sequer síndico de prédio e é parte
interessada em sua própria sobrevivência. Por estas e outras, esse impeachment
elevado à condição de farsa e ópera bufa será a pá de cal na combalida
semi-democracia brasileira.
Alguns tentam vender a ideia de que um governo
pós-impeachment seria momento de grande catarse de reunificação nacional e
retomada das rédeas da economia.
Nada mais falso e os operadores do próximo Estado
Oligárquico de Direito sabem disto muito bem. Sustentado em uma polícia militar
que agora intervém até em reunião de sindicato para intimidar descontentes, por
uma lei antiterrorismo nova em folha e por um poder judiciário capaz de
destruir toda possibilidade dos cidadãos se defenderem do Estado quando
acusados, operando escutas de advogados, vazamento seletivo e linchamento
midiático, é certo que os novos operadores do poder se preparam para anos de
recrudescimento de uma nova fase de antagonismos no Brasil em ritmo de bomba de
gás lacrimogêneo e bala.
Uma fase na qual não teremos mais o sistema de acordos
produzidos pela Nova República, mas teremos, em troca, uma sociedade cindida em
dois.
O Brasil nunca foi um país. Ele sempre foi uma fenda. Sequer
uma narrativa comum a respeito da ditadura militar fomos capazes de produzir.
De certa forma, a Nova República forneceu uma aparência de conciliação que
durou 20 anos. Hoje vemos qual foi seu preço: a criação de uma democracia
fundada na corrupção generalizada, na explosão periódica de "mares de
lama" (desde a CPI dos anões do orçamento) e na paralisia de
transformações estruturais.
Tudo o que conseguimos produzir até agora foi uma democracia
corrompida. A seguir este rumo, o que produziremos daqui para a frentes será,
além disso, um país em estado permanente de guerra civil.
Os defensores do impeachment, quando confrontados à
inanidade de seus argumentos, dizem que "alguma coisa precisa ser
feita". Afinal, o lugar vazio do poder é evidente e insuportável, logo,
melhor tirar este governo. De fato, a sequência impressionante de casos de
corrupção nos governos do PT, aliado à perda de sua base orgânica, eram um
convite ao fim.
Assim foi feito. Esses casos não foram inventados pela
imprensa, mas foram naturalizados pelo governo como modo normal de
funcionamento. Ele paga agora o preço de suas escolhas.
Neste contexto, outras saídas, no entanto, são possíveis.
Por exemplo, a melhor maneira de Dilma paralisar seu impeachment é convocando
um plebiscito para saber se a população quer que ela e este Congresso Nacional
(pois ele é parte orgânica de todo o problema) continuem. Fazer um plebiscito
apenas sobre a presidência seria jogar o país nas mãos de um Congresso
gangsterizado.
Em situações de crise, o poder instituinte deve ser
convocado como única condição possível para reabrir as possibilidades
políticas. Seria a melhor maneira de começar uma instauração democrática no
país. Mas, a olhar as pesquisas de intenção de voto para presidente, tudo o que
a oposição golpista teme atualmente é uma eleição, já que seus candidatos estão
simplesmente em queda livre. Daí a reinvenção do impeachment.
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