Sérgio Moro tornou-se indefensável, diz acadêmico
Professor da USP,
Safatle alerta: "Não se luta contra bandidos utilizando atos de
banditismo"
O professor livre-docente de Filosofia da Universidade de São
Paulo (USP), Vladimir Safatle, publica artigo nesta sexta-feira (18), na Folha
de S. Paulo, no qual faz duras críticas à atuação do juiz Sérgio Moro, que
conduz a Operação Lava Jato.
O juiz Sergio Moro conseguiu o inacreditável: tornar-se tão
indefensável quanto aqueles que ele procura julgar. Contrariamente ao que muito
defenderam nos últimos dias, suas últimas ações são simplesmente uma afronta a
qualquer ideia mínima de Estado democrático. Não se luta contra bandidos
utilizando atos de banditismo.
A divulgação das conversas de Lula com seu advogado constitui
uma quebra de sigilo e um crime grave em qualquer parte do mundo. Não há
absolutamente nada que justifique o desrespeito à inviolabilidade da
comunicação entre cliente e advogado, independente de quem seja o cliente.
Ainda mais absurdo é a divulgação de um grampo envolvendo a presidente da
República por um juiz de primeira instância tendo em vista simplesmente o
acirramento de uma crise política.
Alguns acham que os fins justificam os meios. No entanto, há
de se lembrar que quem se serve de meios espúrios destrói a correção dos fins.
Pois deveríamos começar por nos perguntar que país será este
no qual um juiz de primeira instância acredita ter o direito de divulgar à
imprensa nacional a gravação de uma conversa da presidente da República na
qual, é sempre bom lembrar, não há nada que possa ser considerado ilegal ou
criminoso.
Afinal, o argumento de obstrução de Justiça não para em pé.
Dilma tem o direito de nomear quem quiser e Lula não é réu em processo algum.
Se as provas contra ele se mostrarem substanciais, Lula será julgado pelo mesmo
tribunal que colocou vários membros de seu partido, de maneira merecida, na
cadeia, como foi no caso do mensalão.
Lembremos que "obstrução de Justiça" é uma situação
na qual o indivíduo, de má-fé e intencionalmente, coloca obstáculos à ação da
Justiça para inibir o cumprimento de uma ordem judicial ou diligência policial.
Nomear alguém ministro, levando-o a ser julgado pelo STF, só pode ser
"obstrução" se entendermos que o Supremo Tribunal não faz parte da
"Justiça".
A fragilidade do argumento é patente, assim como é frágil a
intenção de usar um grampo ilegal cuja interpretação fornecida pelo sr. Moro é,
no mínimo, passível de questionamento.
Na verdade, há muitas pessoas no país que temem que o sr.
Moro tenha deixado sua função de juiz responsável pela condução de processo
sobre as relações incestuosas entre a classe política e as mega construtoras
para se tornar um mero incitador da derrubada de um governo.
A Operação Lava Jato já tinha sido criticada não por aqueles
que temiam sua extensão, mas por aqueles que queriam vê-la ir mais longe. Há
tempos, ela mais parece uma operação mãos limpas manetas.
Mesmo com denúncias se avolumando, uma parte da classe
política até agora sempre passa ilesa. Não há "vazamentos" contra a
oposição, embora todos soubessem de nomes e esquemas ligados ao governo FHC e a
seu partido. Só agora eles começaram a aparecer, como Aécio Neves e Pedro
Malan.
Reitero o que escrevi nesta mesma coluna, na semana passada:
não devemos ter solidariedade alguma com um governo envolvido até o pescoço em
casos de corrupção. Mas não se trata aqui de solidariedade a governos. Trata-se
de recusar naturalizar práticas espúrias, que não seriam aceitas em nenhum
Estado minimamente democrático.
Não quero viver em um país que permite a um juiz se sentir
autorizado a desrespeitar os direitos elementares de seus cidadãos por ter sido
incitado por um circo midiático composto de revistas e jornais que apoiaram,
até o fim, ditaduras e por canais de televisão que pagaram salários fictícios
para ex-amantes de presidentes da República a fim de protegê-los de escândalos.
O Ministério Público ganhou independência em relação ao poder
executivo e legislativo, mas parece que ganhou também uma dependência viciosa
em relação aos humores peculiares e à moralidade seletiva de setores
hegemônicos da imprensa.
Passam-se os dias e fica cada dia mais claro que a comoção
criada pela Lava Jato tem como alvo único o governo federal.
Por isso, é muito provável que, derrubado o governo e posto
Lula na cadeia, a Lava Jato sumirá paulatinamente do noticiário, a imprensa
será só sorrisos para os dias vindouros, o dólar cairá, a bolsa subirá e
voltarão ao comando os mesmos corruptos de sempre, já que eles foram poupados
de maneira sistemática durante toda a fase quente da operação.
O que poderia ter sido a exposição de como a democracia
brasileira só funcionou até agora sob corrupção, precisando ser radicalmente
mudada, terá sido apenas uma farsa grotesca.
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