terça-feira, 9 de agosto de 2011

A nova gramática do poder - Nem os mais fortes estão suficientemente protegidos.

As principais preocupações atuais da humanidade não são tanto males concretos, mas ameaças indeterminadas. Nós não estamos preocupados com perigos visíveis, mas com outros, vagos, que podem atacar quando menos se espera - e contra os não estamos bem protegidos.

Existem, é claro, perigos identificáveis específicos, mas o que nos preocupa mais quanto ao terrorismo, por exemplo, é sua natureza imprevisível. Da mesma, o mais perturbador na economia, nos dias atuais, é sua volatilidade - em outras palavras, a incapacidade de nossas instituições de nos protegerem contra a incerteza financeira extrema.

Geralmente, grande parte da nossa inquietação reflete nossa exposição a ameaças que podemos apenas parcialmente controlar. Nossos ancestrais viveram em ambientes mais perigosos, porém de menor risco. Eles suportaram um grau de pobreza que seria intolerável para os países hoje avançados, ao passo que nós estamos agora expostos a riscos cuja natureza, que embora nos sejam de difícil compreensão, seriam literalmente inconcebíveis para eles.

Em virtude de a interdependência expor todos ao redor do mundo de uma forma sem precedentes, a governança dos riscos em nível mundial é o grande desafio para a humanidade. Consideremos as mudanças climáticas, os riscos da energia nuclear e de sua proliferação; ameaças terroristas (qualitativamente diferentes dos perigos de guerras convencionais); os efeitos colaterais de instabilidade política, as repercussões econômicas das crises financeiras; epidemias (cujos riscos aumentam com o aumento da mobilidade e do livre comércio) e, de repente, pânico alimentado pela mídia, como a recente crise (de contaminação) dos pepinos na Europa.

Todos esses fenômenos fazem parte do lado sombrio do mundo globalizado: contaminação, contágio, instabilidade, interconexão, turbulência, fragilidade compartilhada, efeitos universais e superexposição. A esse respeito, pode-se falar do "caráter epidêmico" de nosso mundo contemporâneo.

Interdependência é, em verdade, dependência mútua - uma exposição compartilhada a perigos. Nada é completamente isolado e não existem mais questões externas: tudo se tornou nacional, e até mesmo pessoal. Problemas de outras pessoas agora são os nossos problemas, e não podemos mais olhar para elas com indiferença ou com a esperança de colher algum ganho pessoal com prejuízo de outros.

Esse é o contexto de nossa atual peculiar vulnerabilidade. O que costumava nos proteger (distância, intervenção governamental, capacidade de previsão a longo prazo, métodos de defesa clássicos) têm enfraquecido e agora oferecem pouca ou nenhuma proteção.

Talvez não tenhamos levado em conta todas as consequências geopolíticas decorrentes dessa nova lógica de dependência mútua. Em um mundo tão complexo, nem mesmo os mais fortes estão suficientemente protegidos. De fato, a lógica de potência hegemônica se choca com o atual fenômeno de fragmentação e autonomização - lembremos, por exemplo, o Paquistão ou a Itália - que criam desequilíbrios e assimetrias nem sempre favoráveis aos poderosos.

Os fracos, quando têm a certeza de que não podem vencer, podem prejudicar os mais fortes - e até mesmo impor-lhes derrotas. Em contraste com a ordem vestfaliana secular dos Estados-nação, na qual o peso específico de cada Estado foi o fator determinante, em um mundo de interdependência, a segurança, a estabilidade econômica, a saúde e o ambiente do mais forte são sempre reféns dos mais fracos. Todos estão expostos aos efeitos da desordem e turbulência na periferia.

Essas condições de superexposição são em sua maior parte inéditas, levantando inúmeras questões para as quais ainda não temos as respostas certas. Que tipo de proteção seria apropriado em um mundo assim?

Não é de surpreender que uma globalização contagiosa que agrava a vulnerabilidade desencadeie, inevitavelmente, estratégias preventivas e defensivas nem sempre proporcionais ou razoáveis. A xenofobia e o chauvinismo que algumas das estratégias defensivas podem despertar podem acabar fazendo mais mal do que as ameaças de que tinham por objetivo proteger-nos.

Então, nesta época de aquecimento mundial, bombas inteligentes, guerra cibernética e epidemias em todo o mundo, nossas sociedades precisam ser protegidas com estratégias mais complexas e sutis. Não podemos continuar a implementar estratégias que ignoram nossa exposição comum a riscos em âmbito mundial e ao resultante ambiente de dependência mútua.

Temos de aprender uma nova gramática do poder em um mundo constituído por mais bem comum - ou mal comum - do que de autointeresse ou de interesse nacional. Esses não desapareceram, é claro, mas estão se revelando indefensáveis fora de um arcabouço capaz de enfrentar as ameaças e oportunidades comuns.

Embora anteriormente o velho jogo de poder procurasse proteger seus próprios interesses sem preocupar-se com os interesses de outros, a superexposição impõe reciprocidade dos riscos, desenvolvimento de métodos de cooperação e compartilhamento de informações e estratégias. Governança mundial verdadeiramente eficaz é o horizonte estratégico que a humanidade deve perseguir, hoje, com toda a sua energia.

Parece difícil, e assim será. Mas nada tem a ver com pessimismo. O desafio de administrar os riscos em âmbito mundial é nada menos do que o desafio de impedir o "fim da história" - não como a plácida apoteose de vitória da democracia liberal em todo o mundo -, mas como o pior fracasso coletivo que podemos imaginar.

Javier Solana ex-representante da União Europeia para Política Externa e de Segurança Comum e ex-secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), é presidente do Global Economic and Geopolitical Center ESADE e eminente pesquisador sênior para política externa da Brookings Institution. 

Daniel Innerarity é diretor do Instituto de Governança Democrática, da Universidade do País Basco. São coautores de "La humanidad amenazada: el gobierno de los riesgos globales (a humanidade ameaçada: o gerenciamento dos riscos em âmbito mundial). Copyright: Project Syndicate, 2011.

 

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