quarta-feira, 22 de junho de 2011

Tempo de bom senso

A perspectiva para Atenas não é se o país ficará inadimplente. Isso é algo praticamente certo. Certamente chegou a hora de admitir a realidade dos problemas gregos e de agir de imediato quanto às amplas ramificações em seus parceiros


Há dúvidas se a renegociação das dívidas fará a economia grega se recuperar. 

Comenta-se que Albert Einstein dizia que a insanidade consiste em fazer a mesma coisa diversas vezes e esperar resultados diferentes. Por esses padrões, o acordo prestes a ser acertado com a Grécia parece insano. A única justificativa, como argumentei na coluna de 10 de maio, é que o novo acordo é necessário para ganhar mais tempo. É uma estratégia ruim. É preciso algo mais radical.

A questão sobre as perspectivas para a Grécia não é se o país ficará inadimplente. Isso é, em minha opinião, algo praticamente certo. A questão é se a inadimplência será suficiente para levar a economia de volta a um estado razoável de saúde. Duvido muito. O país parece ser pouco competitivo para conseguir isso. A inadimplência é uma condição necessária, mas não suficiente para a economia voltar a um bom estado.

O desempenho grego sob o programa acertado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) vem sendo impressionante, mas não conseguiu fazer o país voltar à solvência. A diferença entre o rendimento dos bônus de 10 anos da Alemanha e Grécia saiu de 460 pontos-base (4,6 pontos porcentuais), após o programa ser anunciado, para 1.460 pontos-base. Quase o mesmo aconteceu na Irlanda e Portugal. Ainda mais perigoso foi o fato de os spreads espanhóis terem chegado a 270 pontos-base. No futuro próximo, Grécia, Irlanda e Portugal não têm nem chance de poder captar nos mercados a taxas com as quais possam arcar.

O que deve ser bastante deprimente para os envolvidos é que esses aumentos nos spreads ocorreram apesar de desempenhos razoáveis. No programa original, previa-se queda de 4% no PIB da Grécia em 2010 e de 2,6% em 2011. Na revisão de março deste ano, os números ficaram apenas um pouco piores, declínios de 4,5% e 3%, respectivamente. De início, projetava-se déficit geral do governo de 8,1% do PIB em 2010 e de 7,6% em 2011. Os números passaram para 9,6% e 7,5%, respectivamente, na revisão. Mesmo para o balanço em conta corrente, houve apenas ligeira piora na revisão, com as previsões iniciais de déficits 8,4% em 2010 e 7,1% em 2011 passando para 10,5% e 8,2%, respectivamente.

Infelizmente, isso não serve nem para o começo, por quatro motivos. Primeiro, o perfil da dívida deixou de ser horrível para ficar pior: no programa inicial, projetava-se que a relação entre dívida bruta e PIB chegaria a seu ponto máximo, de 149% do PIB, em 2012. Na revisão, a porcentagem havia passado a 159%. Segundo, a economia dá a impressão de ser extraordinariamente pouco competitiva. O indicador mais revelador é a combinação de déficit em conta corrente imenso e profunda recessão. Esse déficit externo não pode ser financiado atualmente. Terceiro, as perspectivas para o déficit em conta corrente parecem encaminhadas a sofrer deterioração acentuada: de início o FMI previa déficit em conta corrente de 2,8% do PIB em 2014; na revisão, estima déficit 5,5% do PIB. Quarto, sem um aumento nas exportações, será impossível voltar a um crescimento sustentável. Tal aumento, no entanto, exigiria uma grande redução nos custos nominais. Se isso for viável de alguma forma, o que eu duvido, elevará ainda mais a relação entre dívida e PIB.

É certo que haverá ceticismo no mercado sobre a capacidade da Grécia em tornar-se solvente. Sustenta-se na consciência de dois fatos: o endividamento maciço e a falta de competitividade. O fato de a população grega não estar disposta a passar pelas dores do ajuste torna o que já é implausível algo inconcebível. Se fosse a situação, por exemplo, da Finlândia, alguém poderia acreditar. Equivocados ou não, poucos acreditam que a Grécia de hoje é outra Finlândia.

Quais os argumentos, então, para persistir, concedendo ainda mais empréstimos e, durante o processo, levando uma maior proporção do passivo do governo grego para o balanço do setor público? Vejo quatro argumentos.
O primeiro é que a estratégia esconde a situação das instituições privadas de crédito. É bastante constrangedor declarar que se ajuda a Grécia, quando na verdade se ajuda a seus bancos. Se as instituições privadas de crédito tiverem tempo suficiente, podem vender seus empréstimos para o setor público ou dar baixa contábil sem injeções de capital governamental.

O segundo argumento é que a estratégia de procrastinar permite que outros países deixem suas casas em ordem antes da inadimplência grega e, talvez, de uma saída desordenada do euro. Caso esses eventos acontecessem agora, como se teme, haveria corridas para vender dívidas soberanas e para resgatar dinheiro de bancos em países frágeis, com resultados devastadores.

O terceiro argumento é a possibilidade de Grécia sair-se bem. Dar ao país o máximo apoio torna isso, pelo menos, algo viável.
O quarto argumento é que o FMI projeta déficit fiscal primário de 0,9% do PIB neste ano. Portanto, a transferência líquida de recursos é para o setor público grego. Enquanto esse seja o caso, a inadimplência não faz sentido.

Esses argumentos são, em linhas gerais, persuasivos em ordem crescente. O primeiro argumento foi usado para justificar as políticas de negação que deram à América Latina sua "década perdida" nos anos 80. Parecia imoral na ocasião e parece igualmente agora. Perdas devem ser admitidas e os bancos, recapitalizados. O segundo argumento presume que a posição grega ainda é um mistério. Está claro, no entanto, que a fuga para longe de outras jurisdições mais frágeis já está em andamento. O terceiro argumento não é ridículo, mas um resultado tão afortunado parece implausível, tendo em vista a situação em que a Grécia se encontra. O último argumento é correto, mas serve a um breve adiamento.

A melhor política é agir de forma preventiva. Um aspecto dessa prevenção consistiria em agir para respaldar, com mais força, outros sistemas financeiros e países-membros frágeis da região. Em pelo menos um caso, o da Irlanda, isso pode exigir reestruturação das dívidas. Isso também certamente exigiria mais avanços rumo a um sistema financeiro mais amplo da região do euro, com respaldo fiscal equivalente.

O principal requisito agora, no entanto, é reconhecer a realidade desagradável. Não se pode fazer que o incrível se torne crível com adiamentos intermináveis. Apenas torna o reconhecimento da realidade mais doloroso quando isso enfim acontece. Certamente chegou a hora de admitir a realidade dos problemas gregos e de agir de imediato quanto às amplas ramificações em seus parceiros.

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT

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