Dallagnol,pastor da Lava Jato, expert em Power Point e feliz proprietário de dois
apartamentos do Minha Casa Minha Vida, passou o dia protagonizando chiliques
contra o avanço de lei, na Câmara, que pune juízes e procuradores que abusam de
seu poder.
A lei é
boa, apesar da procedência mal cheirosa. É boa sobretudo porque nasce de um
embate entre os poderes. Os autores de Federalist Papers, obra seminal da
democracia representativa moderna, explicavam que as principais vantagens de
uma democracia derivam do fato de que ela não depende tanto assim da boa
vontade dos homens públicos. Se o sistema é democrático, se há separação e
independência entre os poderes, é natural que se dê um embate entre eles, e
isso não tem nada a ver com a qualidade moral dos representantes de cada um
desses poderes.
O avanço
do Judiciário sobre o Legislativo foi necessário para levar adiante o golpe de
Estado. Entretanto, ele agora esbarrou nas contradições internas dos setores
médios da própria elite, como são os deputados.
O golpismo
nos mostrou que o Brasil é cheio de poderosos de segunda, terceira e quarta
linha, que o sistema sacrifica sem dó em prol de mais concentração de poder em
mãos dos verdadeiros donos do Brasil: alguns bilionários de São Paulo, a casta
judicial (que, unida e coesa ideologicamente, como um partido político, se
tornou um poder descomunal, perigoso, antidemocrático) e meia dúzia de barões
da mídia. Pronto, esses são os que mandam.
Geddel
Vieira Lima? Um infeliz que mobiliza a cúpula do governo federal para pressionar
um órgão técnico a aprovar seu apartamento? Michel Temer, que entra nesse
joguinho incrivelmente sujo e medíocre de Geddel, e fica a seu lado contra
Marcelo Calero, ex-ministro da Cultura?
São
marionetes.
Os
próprios agentes da Lava Jato são peças menores de um xadrez incrivelmente
sofisticado para um país que não se deu conta de que, desde que descobriu o
pré-sal e se tornou, por alguns anos, a quinta economia do mundo, havia entrado
para o mundo dos adultos e, portanto, deveria ter uma classe política mais
preparada.
Dallagnol
disse que a "força-tarefa" vai renunciar, caso a lei seja aprovada.
Na verdade, por trás do chilique vemos uma chantagem criminosa, um verdadeiro
abuso de poder, bem típico de servidores completamente embriagados pelo poder político
que a mídia lhes deu. Um servidor público tem uma função a cumprir, pela qual,
no caso de um procurador, é regiamente pago. Não pode abandonar sua função por
"pirraça", porque o congresso aprova uma lei da qual ele não gosta.
Tenho que
falar da situação em tom irônico, porque para mim a força-tarefa deveria ter
renunciado há muito tempo.
E aquele
Power Point, Dallagnol, motivo de chacota mundial?
A atitude
de Dallagnol é a revelação de que a Lava Jato foi instrumentalizada
politicamente, para se tentar legitimar uma juristocracia autoritária,
truculenta, que faz da luta contra a corrupção uma cruzada moral que mata
qualquer vida econômica e política no país.
O partido
da Lava Jato convive melhor com o governo profundamente corrupto de Michel
Temer do que com Dilma porque entendia que sua agenda juristocrática tem mais
chances de prosperar diante de um gestão fraca, cujo único apoio social é a
Globo.
As
prisões de Cabral e Garotinho foram um movimento calculado para intimidar a
classe política, mas acabou tendo efeito contrário. As cenas chocantes de
Garotinho sendo retirado do leito de hospital e levado de volta à prisão, sob
as ordens de um juiz sem escrúpulos, provocaram um sentimento difuso de
autodefesa entre os parlamentares. Eles pressentiram que podem ser todos
vítimas do mesmo autoritarismo.
Se a
força-tarefa ameaça "renunciar" por causa de uma votação no
congresso, isso prova que eles sempre estiveram conscientes de que a Lava Jato
se tornou um partido político. Ela tem uma força própria, coonestada pelo
próprio procurador-geral da república, Janot, e possui direção e objetivos
políticos.
Cabe
assinalar que os membros da Lava Jato devem estar se sentindo terrivelmente
humilhados pela maneira como se desdobrou o golpe que eles mesmo ajudaram a
acontecer, visto que vários ministros estão indiciados pela força-tarefa.
Por outro
lado, o power point de Dallagnol, acusando Lula de ser o "comandante
máximo" dos esquemas de corrupção na Petrobrás, ajuda a explicar a atitude
desesperada e criminosa de Sergio Moro, ao vazar os áudios de Lula e Dilma para
a Globo.
Enquanto
isso, a presidenta do STF e do CNJ, Carmen Lucia, subsidia as manchetes dos
jornais chapa-branca, cúmplices da juristocracia que se tenta implementar no
país, com seu irritante arsenal de lugares-comum e frases de efeito.
Como
presidente do CNJ, Carmen Lucia é uma ótima sindicalista, esquecendo, porém,
que o CNJ não é uma corporação sindical, e sim um órgão previsto
constitucionalmente para servir como fiscalizador do trabalho judicial
conduzido no país. E que, no entanto, tem agido apenas como uma corporação
especializada em transferir grandes somas do bolso do contribuinte diretamente
para o bolso dos juízes, a começar pelos próprios membros do CNJ.
Lucia,
num de seus arroubos de iluminada mediocridade, diz que toda ditadura
"começa rasgando a Constituição", uma frase que soa profundamente
irônica no momento em que vivemos, de fato, uma ditadura judicial, com o braço
armado do Estado hoje sob controle de juízes.
As falas
de Lucia são cuidadosamente escolhidas para preencher a cabeça vazia dos zumbis
midiáticos. As ditaduras nem sempre rasgam a Constituição, mas a distorcem a
seu bel prazer, sempre com a alegre ajuda dos juízes.
Em quase
todos os momentos da história mundial, as castas judiciais sempre se
posicionaram contra avanços democráticos, nunca a favor. O judiciário é um
setor historicamente conservador e essencialmente antidemocrático.
Os
próprios ministros do STF, como Lewandowski e Barroso, propagam teorias
sinistras de boteco, como a de que entramos no "século do judicário",
como se fosse uma coisa muito legal o que esteja acontecendo, ao invés de ser
mais uma dessas terríveis armadilhas da qual a humanidade só costuma tomar
consciência após algumas décadas de trágica experiência.
Lucia
abusa da ignorância popular acerca do poder dos juízes, que sempre foi um
problema e um excesso, inclusive apontado por um de seus maiores teóricos, como
Hans Kelsen, que alerta para o perigo do juiz como produtor de leis. Afinal, o
juiz, ao interpretar a lei, ele praticamente cria uma outra lei.
Kelsen dá
ainda um recado importante para os fanáticos da Lava Jato e para todos os
operadores do Direito que se vêem como missionários morais. Ele diz que o
Direito não pode jamais pressupor, como fazem os justiceiros midiáticos do
Brasil, que exista uma Moral absoluta da qual eles sejam os representantes.
Toda vez que a jurisprudência se baseia numa Moral absoluta, diz Kelsen, ela
produz uma "legitimação acrítica da ordem coercitiva do Estado". Ou
seja, toda a vez que o operadores do direito se vêem como guardiões da moral,
eles violam a doutrina democrática, que pressupõe constante autocrítica,
contenção do poder e respeito aos que pensam diferente.
A
ditadura de que Carmen Lucia tem medo, portanto, já está implementada no
Brasil, por mãos do próprio judiciário.
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