Educação
Alarmante! A dificuldade para interpretar textos e
contextos, articular ideias e escrever está presente em seletos ambientes do
mundo corporativo e da academia.
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Em um mundo no qual a comunicação se dá por mensagens eletrônicas
e tuítes, escrever com clareza não é mais importante!
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A condição de analfabeto funcional aplica-se a indivíduos
que, mesmo capazes de identificar letras e números, não conseguem interpretar
textos e realizar operações matemáticas mais elaboradas. Tal condição limita
severamente o desenvolvimento pessoal e profissional. O quadro brasileiro é
preocupante, embora alguns indicadores mostrem uma evolução positiva nos
últimos anos.
Uma variação do analfabetismo funcional parece estar
presente no topo da pirâmide corporativa e na academia. Em uma longa série de
entrevistas realizadas por este escriba, nos últimos cinco anos, com diretores
de grandes empresas locais, uma queixa revelou-se rotineira: falta a muitos
profissionais da média gerência a capacidade de interpretar de forma
sistemática situações de trabalho, relacionar devidamente causas e efeitos,
encontrar soluções e comunicá-las de forma estruturada. Não se trata apenas de
usar corretamente o vernáculo, mas de saber tratar informações e dados de
maneira lógica e expressar ideias e proposições de forma inteligível, com
começo, meio e fim.
Na academia, o cenário não é menos preocupante. Colegas
professores, com atuação em administração de empresas, frequentemente reclamam
de pupilos incapazes de criar parágrafos coerentes e expressar suas ideias com
clareza. A dificuldade afeta alunos de MBAs, mestrandos e mesmo doutorandos.
Editores de periódicos científicos da mesma área frequentemente deploram a
enorme quantidade de manuscritos vazios, herméticos e incoerentes recebidos
para publicação. E frequentemente seus autores são pós-doutores!
O problema não é exclusivamente tropical. Michael Skapinker
registrou recentemente em sua coluna no jornal inglês Financial Times a
história de um professor de uma renomada universidade norte-americana. O tal
mestre acreditava que escrever com clareza constitui habilidade relevante para
seus alunos, futuros administradores e advogados. Passava-lhes, semanalmente, a
tarefa de escrever um texto curto, o qual corrigia, avaliando a capacidade
analítica dos autores. Pois a atividade causou tal revolta que o diretor da
instituição solicitou ao professor torná-la facultativa. Os alunos parecem
acreditar que, em um mundo no qual a comunicação se dá por mensagens
eletrônicas e tuítes, escrever com clareza não é mais importante.
O mesmo Skapinker lembra uma emblemática matéria de capa da
revista norte-americana Newsweek, intitulada “Why Johnny can’t write”. Merrill
Sheils, autora do texto, revelou à época um quadro preocupante do declínio da
linguagem escrita nos Estados Unidos. Para Sheils, o sistema educacional, da
escola fundamental à faculdade, desovava na sociedade uma geração de
semianalfabetos. Com o tempo, explicou a autora, as habilidades de leitura
pioraram, as habilidades verbais se deterioraram e os norte-americanos
tornaram-se capazes de usar apenas as mais simples estruturas e o mais
rudimentar vocabulário ao escrever, próprios da tevê.
Entre as diversas faixas etárias, os adolescentes eram os
que mais sofriam para produzir um texto minimamente coerente e organizado. E o
mundo corporativo também acusou o golpe, pois parte de sua comunicação formal
exige precisão e clareza, características cada vez mais difíceis de encontrar.
Educadores mencionados no artigo observaram: um estudante que não consegue ler
e compreender textos jamais será capaz de escrever bem. Importante: a matéria
da Newsweek é de 1975!
Quase 40 anos depois, os iletrados trópicos parecem sofrer
do mesmo flagelo. Por aqui, vivemos uma situação curiosa: de um lado, cresce a
demanda por análises e raciocínios sofisticados e complexos. E, de outro,
faltam competências básicas relacionadas ao pensamento analítico e à
articulação de ideias. O resultado é ora constrangedor, ora cômico. Nas
empresas, muitos profissionais parecem tentar tapar o sol com uma peneira de
powerpoints, abarrotados de informação e vazios de sentido.
Na academia, multiplicam-se textos caudalosos, impenetráveis
e ocos. Se aprender a escrever é aprender a pensar, e escrever for mesmo uma
atividade em declínio, então talvez estejamos rumando céleres à condição de
invertebrados intelectuais.
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