terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Vale a pena deixar o setor público se estou insatisfeito?

Sou concursado e atuo como analista no setor público. O primeiro concurso para o órgão onde trabalho ocorreu há menos de um ano. Os gestores do RH não divulgam o plano de carreira dos funcionários e também nem acredito que o mesmo exista. O salário e os benefícios oferecidos para todos os cargos estão abaixo dos demais concursos e a rotatividade dos funcionários é de 50%. O posicionamento do RH quanto a isso é apenas chamar o próximo da lista de aprovados. Além disso, eles deixaram claro que o concurso foi direcionado para pessoas sem experiência, que aceitariam um salário baixo e sem perspectiva de crescimento profissional. O diálogo e a transparência do RH inexistem, o que vem gerando uma grande insatisfação entre os funcionários. O que fazer diante disso? Devo apenas usar o emprego como algo temporário, evitando estabelecer vínculos subjetivos até encontrar outra instituição com a qual possa criar uma ligação com maior grau de reciprocidade?

Analista de investimentos, 28 anos

Resposta:

Sua carta revela mais dificuldades e questões suas do que especificamente da administração pública. Os concursos públicos são abertos quando há necessidade de profissionais específicos para a realização de tarefas específicas. É claro que há o ideal de planos de carreira para servidores, mas a enorme maioria das tarefas a serem realizadas são relativamente estáveis no tempo.

São necessários milhares de professores em sala de aula e milhares de médicos nos hospitais. Milhares de enfermeiros e inspetores de disciplina, e daí por diante. Não é possível pensar em progressão de carreira para todos esses profissionais no mesmo ritmo com que se pensa a progressão em empresas em fase de expansão no mercado. O concurso se dá quando é necessário repor esses quadros ou quando se abrem novas carreiras - como os gestores públicos, recentes no país nas três esferas do executivo.

Há o ideal, na área pública, da vocação. A estabilidade de carreiras e a tranquilidade para realizar a atividade se dá em troca de um ritmo de carreira mais lento e salários menos agressivos. Esse fato deveria ser levado em conta na hora de realizar um concurso público.

A área de gestão de pessoas no setor público não é, e não pode ser cobrada, como a típica da iniciativa privada. Você afirma que lhes falta transparência, mas não é o que me parece. Se o RH afirma que não há planos de cargos e salários, está sendo transparente. Deram-lhe um dado de realidade com todas as letras. A questão é o que você fará com essa informação.

Leve em conta que a liberdade do gestor público para tomar decisões relativas a salários e benefícios é bem menor que a do privado. O executivo na iniciativa privada pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, sob fortes pressões competitivas e com demandas por ganhos crescentes. Nesse contexto, a pressão sobre as pessoas é maior e a necessidade de pagar mais decorre das pressões de mercado, com forte disputa pelos melhores talentos.

O executivo público deve fazer o que a lei lhe obriga, com fortes restrições de recursos para atender às demandas sociais em um país com muita pobreza e desigualdade e com a necessidade de atuar em áreas onde só o Estado pode prender, fiscalizar, julgar, legislar, dentre outros.

Quando você fez o concurso, sabia da tarefa para a qual estava sendo contratado e o salário que receberia. Participou do processo seletivo com posse dessas informações. Teoricamente, você fez o concurso porque aceitou esse acordo. É necessário, como profissional, saber o que está em jogo quando faz as suas escolhas: estabilidade, baixa pressão competitiva e aposentadoria garantida não combinam com remuneração agressiva, planos de cargos e salários com grandes possibilidades de progressão na carreira e área de gestão de pessoas pensando em grandes estratégias de retenção.

Quando pensamos em transparência, essa é uma via de mão dupla. A alta rotatividade gera custos para o Estado. Espera-se, de quem faz o concurso, que de fato aceite o acordo. Mas, verificamos hoje a emergência do profissional de concursos: sem vocação definida, faz um leilão da própria carreira para quem pagar mais. Deseja salários altos, mas não quer se expor à briga de foice do mercado privado. Quando encontra um teto de carreira, acusa à organização pelas restrições que lhes são impostas.

Sugiro que você reflita sobre as suas escolhas de maneira mais profunda e veja se é possível, de fato, ter todos os proveitos que você deseja em uma mesma organização. Tome decisões baseadas nas escolhas relevantes que a realidade te coloca.


E-mail: diva.executivo@valor.com.br
Valor Econômico


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