A busca da
felicidade deve ocorrer onde pode se concretizar: no amor, no idealismo, na
solidariedade. E não em um consumismo desenfreado e irrefletido
Não gosto, mas
constato que a fugidia busca da felicidade que mais ou menos lucidamente nos
guia na vida transitou da minha para a atual geração de um ambiente espiritual
para um ambiente puramente materialista. E um materialismo em seu pior
significado, o consumismo.
Não estou,
claro, falando de religião quando me refiro à dimensão imaterial, idealista,
espiritual, onde se buscava encontrar a tal felicidade. Era a poesia, a
seresta, a boemia, o amor romântico, mas, acima de tudo, uma crença confiante
de que éramos capazes de enfrentar não só o cabo da esquina, mas de mudar tudo
que quiséssemos mudar, mesmo que fossem as estruturas da família mononuclear ou
até mesmo – o maior talvez de todos os equívocos – a superação dos limites
psicofísicos de nosso cérebro pela viagem lisérgica. Tal era ser feliz! Ou ao
menos havia uma bastança enorme nessa busca em nossas almas.
Hoje em dia, e
nisso não há nenhuma nostalgia, mas um diagnóstico para uma nova e generosa
frente de luta, ser feliz, parece, resume-se a responder a uma pergunta tosca:
quanto de uma expectativa de consumo dramaticamente excitada por uma infinda e
maravilhosa oferta global damos conta de saciar com a renda apertada de que
dispomos? Sim, pois, na mesma proporção que nossa renda possa evoluir, muito
mais velozmente evoluem os encantos do consumismo.
E a única coisa
efetivamente globalizada é a informação, o resto é mera manipulação ideológica
imposta pela perversão liberal, tal como o “Consenso de Washington” a definiu.
Não é a miséria,
por exemplo, como uma generosa, porém equivocada, opinião esquerdista sustenta,
a causa da violência que explode em nossas cidades – todas na mesma ocasião em
que o País retira da pobreza mais de 20 milhões de indivíduos. É, penso eu, o
desdobramento natural do que reparto aqui: os jovens atuais,
desespiritualizados, são induzidos a referir sua felicidade a um conjunto de
elementos iconográficos do consumo moderno de massa, seja para portar os
símbolos do êxito, seja para ser aceitos pelos seus grupos ou pelas meninas...
E não têm dinheiro para adquiri-los. Frustração no primeiro momento. No
seguinte, em consequência da justaposição da opulência, revolta e violência. A
droga nada mais é que um escapismo anestesiante de uma vida vazia e careta. De
um vácuo espiritual.
Dessa
constatação resultam consequências muito práticas e concretas para quem imagina
que estou divagando à beira de filosofia barata: se ser feliz modernamente é
acessar ao bom, bonito e barato, cuja notícia global (sem trocadilho) nos chega
pela televisão ou pela internet, trata-se de perguntar se as condições de
produzir esse padrão desejado, como o próprio ser feliz, são globais.
Óbvio: a taxa de
juros campeã mundial, o retardo tecnológico extenso e a economia baseada (ao
menos sob o ponto de vista do emprego) em pequenas empresas que por definição
trabalham em pequena escala não fazem do Brasil um país propriamente
protagonista mundial desse ideal de consumo. Essa assimetria competitiva
arbitrada por um consumidor desespiritualizado e com renda precária merecerá
mais reflexões aqui, sob o ponto de vista econômico.
É, porém, uma
batalha mundialmente perdida. O que quer dizer que, ao lado de modelos
econômicos e de inserção internacional rebeldes à corrente dominante, há de se
fortalecer uma luta global, especialmente entre nós, brasileiros, tanto mais
com os jovens e as crianças, por uma nova espiritualidade.
É a tarefa
histórica que os estetas, intelectuais, artistas (pensei muito em você,
Patrícia) e especialmente políticos que não tenham só minhocas na cabeça e
compulsão eleitoral devem realizar: temos de devolver a busca ansiosa pela
felicidade onde ela tem alguma chance de se revelar real: ao amor, ao
idealismo, à solidariedade, à austeridade, à parcimônia e ao respeito
verdadeiro à natureza.
O novo
consumidor deverá ser capaz de fazer três e não apenas uma pergunta no seu ato
de consumo. Hoje só perguntamos quanto custa, seja para ter, seja para se
frustrar. É preciso que perguntemos sempre quanto custa, pois a vida é dura,
mas é preciso mais duas perguntas: quem se aproveita economicamente do meu ato
de consumo e se esse meu ato é amistoso em relação à natureza na origem e nos
rejeitos. Seria o começo de uma nova revolução.
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