domingo, 2 de dezembro de 2012

Queda de braço com as elétricas


No discurso em comemoração ao Dia da Independência, a presidente Dilma Rousseff anunciou medidas que devem resultar na redução das contas de energia elétrica, a partir do início do ano, de 16,2%, em média, para o consumidor residencial e de até 28% para a indústria. A redução, que o governo considera necessária para o crescimento econômico e garantir a competitividade das empresas, deve ser obtida como resultado da renovação antecipada das concessões de geração e transmissão que vencem até 2017.
Dias depois, o governo divulgou a Medida Provisória 579, contendo os termos para a prorrogação antecipada das concessões. Em 1º de novembro, o Ministério de Minas e Energia publicou os valores das novas tarifas e as somas que serão pagas para indenizar as concessionárias por investimentos ainda não amortizados. Os recursos, da ordem de R$ 20 bilhões, virão de um fundo já constituído, a Reserva Global de Reversão (RGR), formado com parcela das contas de luz desde 1957.
Alvo de críticas severas, a MP causou um terremoto no mercado de capitais, o que provocou forte queda nas ações das elétricas e esquentou o debate entre o governo e as companhias da área. As empresas poderão ou não aceitar as condições propostas pelo governo para renovação das concessões. O prazo para adesão e assinatura de aditivos aos contratos vigentes se encerra na terça-feira (04/12/2012). Não havendo adesão, as concessões serão mantidas até o vencimento dos contratos, quando os ativos voltam para a União, conforme prevê a Lei das Concessões, de 1995. A MP 579 precisa agora ser aprovada pelo Congresso Nacional, onde já recebeu mais de 400 emendas.
Com a decisão do governo, o país se vê, pela primeira vez, diante da oportunidade de se beneficiar de uma renda auferida pelas antigas hidrelétricas - chamadas de "velhas senhoras" pela presidente. As contas pagas pelos consumidores até agora embutiram o custo presumido da amortização de ativos, constituídos em média há mais de 30 anos, em grande parte não mais justificável, segundo o governo. Algumas dessas usinas têm mais de 70 anos.
Para discutir os prós e contras das medidas adotadas pelo governo, o Valor convidou Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), subordinada ao Ministério de Minas e Energia, e a economista Elena Landau. O debate foi realizado na sucursal do jornal no Rio.
"Para crescer de forma sustentável, o Brasil tem de aumentar a produtividade. Isso significa redução de custos" - Tolmasquim

Em 2005, Tolmasquim ocupou interinamente o Ministério de Minas e Energia, quando sucedeu Dilma Rousseff, de quem havia sido secretário-executivo. Em sua passagem pela pasta, ajudou a então ministra a formular o novo marco regulatório do setor elétrico, que criou a EPE em 2004. Crítico da política energética adotada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, Tolmasquim posicionou-se, em 1999, contra a privatização de Furnas.
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, Elena foi diretora de desestatização do BNDES, onde comandou a privatização dos setores de fertilizantes, da Light e da Escelsa, de ferrovias, de empresas petroquímicas e da Embraer. Preparou ainda a privatização da Vale do Rio Doce, que foi vendida em leilão em 1997, após sua saída do banco. Economista pela PUC-Rio, Elena cursou direito após a passagem pelo governo. Hoje, trabalha no escritório de Sergio Bermudes e tem clientes afetados pela MP 579. Tornou-se uma das vozes mais críticas da forma como o governo tratou da renovação das concessões, sem transparência ou audiências públicas, segundo ela. As medidas, a seu ver, desrespeitam os valores contábeis estabelecidos nos balanços das empresas, prejudicam os investidores e elevam os riscos regulatório e jurídico do país. Entre julho de 1997 e abril de 2000, Elena foi representante do consórcio formado pela Southern, AES e do grupo Opportunity no conselho de administração da Cemig.
Leia os principais trechos do debate.
Valor: Por que acham que o mercado de capitais foi tão crítico com relação à proposta de prorrogação das concessões?
Maurício Tolmasquim: O mercado de capitais é um segmento importante, mas às vezes erra. Eles não precificaram algo que estava mais do que anunciado, que a concessão iria acabar. O que estava em dúvida era se [a concessão] seria relicitada ou prorrogada.
Elena Landau: Todo mundo é a favor de reduzir tarifas. O que não se justifica é uma medida provisória que desrespeita tanto o lado político-jurídico como o econômico. Político, porque o Congresso Nacional não dá palpite. O pacto federativo foi jogado fora. Os governadores não participaram. E o governo federal deu muito pouco [para a redução das tarifas], a não ser os próprios encargos, que tinham sido aumentados nos últimos anos.
Tolmasquim: As associações foram todas chamadas pelo governo. Tiveram discussões lá no ministério. Deram sugestões. Diga-se de passagem, a maioria absoluta sempre foi pela prorrogação. A única voz que defendia a licitação era a Fiesp.
Elena: Politicamente, ninguém apostava que vocês iriam licitar correndo o risco de privatizar.
Tolmasquim: Se optássemos pela relicitação, chegaríamos ao mesmo resultado em termos de tarifa, mas seria um risco monumental, porque é diferente. É pior do que privatização. Na licitação, ficariam empresas estatais com todos os funcionários, prédios, tudo, sem ativo nenhum, sem usina nenhuma, ou com duas, três usinas. Iriam ser criados monstros.
Valor: Os agentes sabiam que a renovação teria que ser antecipada, ou esperavam para 2015, no vencimento?
Tolmasquim: Na data do vencimento. Mas o que o governo está fazendo é propor um negócio. Se a empresa quiser devolver a concessão no final, continua podendo. Estamos dando uma opção a mais. Prorrogar por mais 30 anos, desde que aceite que isso seja a partir de 2013 e sob as condições que estamos dando agora. Não existe nenhuma imposição. Não existe quebra de contratos.
Elena: Do ponto de vista jurídico, isso é inconstitucional. Isso não é prorrogação. Isso é renovação. É um problema jurídico complicado.
Tolmasquim: Foi analisado e não foi considerado inconstitucional.
Elena: Como não é considerado inconstitucional não falar com o governo quando o artigo 21 da [Constituição] diz que tem que falar com governador? Do ponto de vista da boa-fé da administração, da arredação de dinheiro do capital privado, de continuar melhorando o mercado de capitais, a relação custo/benefício da MP é muito baixa. Ninguém fez um estudo de impacto regulatório.
Tolmasquim: As pessoas misturaram essa questão específica com o marco regulatório do setor elétrico.
Elena: A Cesp tem dez anos de erro de entrada de operação. O VNR [Valor Novo de Reposição, utilizado no cálculo das indenizações] é um ótimo indicador, concordo com você. Mas tem lá no manual de contabilidade da Aneel que existem gastos com manutenção, investimentos em potencialização, investimentos prudentes e em meio ambiente. Ninguém pede indenização por ativos amortizados. Mas a lei é clara em dizer que, se o ativo não estiver amortizado, então tem de ser indenizado. Se não, será quebra da lei. Por que os dirigentes da Eletrobras não fizeram uma nota no balanço? Há investidores minoritários desesperados, achando que a Eletrobras vai bater em "covenants" de crédito, que a Eletrobras vai ter problemas agora com os credores, se baixar os ativos em 2015. Os auditores estão seguindo isso. Se o Tesouro diz que essa indenização veio para ficar, é pegar ou largar, que vai ser ainda pior em 2015.
Tolmasquim: Sobre os investimentos em modernização, está previsto na MP que serão considerados pela Aneel nos períodos da revisão tarifária. Neste momento, seria impossível analisar investimento por investimento, para saber se ele foi prudente ou não. O que foi feito? Pegou-se um projeto básico e foi analisado o valor desse projeto a preços de hoje. Os investimentos em modernização não foram excluídos, só não foram considerados na avaliação agora. Por exemplo, no caso de uma usina. Pegou-se o projeto básico da usina, valorou-se a preços de hoje e chegou-se ao valor novo de reposição e o valor a ser indenizado. Vamos supor que, nesse período, foram feitos investimentos em modernização. Isso não foi considerado. Sobre as indenizações em 2015, a indenização será a mesma, o que vai mudar é o valor da depreciação, porque até lá já terá depreciado mais.
Valor: O governo está preparado para enfrentar questionamentos jurídicos? A medida provisória seria a melhor forma de implementar as mudanças?
Tolmasquim: A questão da constitucionalidade foi exaustivamente analisada pelo AGU. Não faríamos uma medida desta sem ter um parecer muito forte da AGU dizendo que é possível. É tradição entrar na Justiça, argumentando que é inconstitucional. Vem alguma coisa que desagrada, entra-se na Justiça, entra-se no Supremo. Não será um problema. O Real foi feito por MP. MP é algo que, mal ou bem, funciona até hoje. Todas as grandes mudanças foram em cima disso. Não é o primeiro caso, não é a exceção. Eu diria até que é a regra.
Elena: O problema é o uso da medida provisória já com decreto regulamentador. Nem o Congresso pode dizer o que pensa. Isso pegou mal. Mesmo porque isso não foi feito nunca antes. O Plano Real foi feito por MP, mas com três meses de URV [Unidade Real de Valor]. Não é o uso da MP, é o uso de um decreto regulamentador, com um prazo.
"O problema da MP é o uso da medida já com decreto regulamentador. Nem o Congresso pode dizer o que pensa" - Elena Landau
Tolmasquim: O Banco Central acertou todas as normas do Plano Real por MP, você sabe melhor do que eu, sem ter nenhum decreto.
Elena: Mas o argumento agora é que a indústria não sobreviveria. Acho que o setor elétrico ficou pior do que está a indústria.
Tolmasquim: O Brasil está em uma situação de pleno emprego. Nessa situação, só tem um jeito de crescer, é aumentando a produtividade da economia. Para crescer de uma forma sustentável, o Brasil tem que aumentar a produtividade. Isso significa capacitação de mão de obra e redução de custos.
Elena: Fiquei muito feliz quando a palavra competitividade finalmente apareceu no discurso do 7 de Setembro.
Tolmasquim: Hoje existe um diagnóstico comum. Não sei se poderíamos esperar até 2015, 2016 para reduzir as tarifas. A gente tem pressa. E não é pressa do governo, é pressa do país para retomar o crescimento.
Valor: Existe risco de o setor elétrico não conseguir financiar sua expansão no futuro?
Tolmasquim: De maneira alguma. Essas empresas vão continuar investindo. Ninguém investe com caixa. As empresas investem alavancando recursos no mercado, no BNDES.
Elena: Temos que esperar para ver. Mas vai ter que se discutir cada investimento. Voltamos ao mundo de enorme intervenção e discussão com a Aneel. Por mais que não seja a intenção do governo quebrar contratos, tem uma contaminação que é inevitável. É como jogar uma pedra no lago. E vocês jogaram um paralelepípedo em uma bacia. Aí coloca mais dinheiro do BNDES, é um círculo vicioso. Não descarto que quem vai pagar no futuro será o contribuinte. O Tesouro vai ter que entrar em algum momento para fechar essa conta.
Valor: A redução do valor dos ativos no balanço das empresas era esperada?
Tolmasquim: Claro. Isso iria acontecer de qualquer jeito. Ou agora ou daqui a dois anos. Não tem como achar que o balanço iria ficar igual. Tinha que estar ajustando os balanços. O quadro que está sendo pintado não condiz com a realidade. As ações estão baixando, mas daqui a pouco sobem.
Elena: A Eletrobras, a Cemig e outras terão que adotar medidas de eficientização. Mas isso necessariamente não é uma coisa ruim. Para a Cesp e a Cemig vai ser uma transição suave, porque elas já são muito eficientes.
Tolmasquim: Vai ter que ter ajustes. E não tenho a menor dúvida de que é possível ter ajustes.
Elena: Mas por que o PIS/Cofins não foi tocado? Tinha que ter simbolicamente uma redução.
Tolmasquim: O governo está entrando com sua parte também, que é a redução dos encargos. O Tesouro está colocando R$ 3,3 bilhões. Deu-se um passo enorme.
Elena: Eu sempre disse que reduzir as tarifas de energia no Brasil necessitaria de um pacto nacional. [Encargos como] A RGR [Reserva Global de Reversão] e a CCC [Conta de Consumo de Combustíveis] foram renovados indevidamente no último ato do governo Lula, quando Dilma era candidata. E vocês estão agora corrigindo isso. Vocês estão dando para a indústria agora uma coisa que vocês tiraram, que se chama subsídio cruzado.
Tolmasquim: Quando nós chegamos [o PT assumiu o governo em 2003], tinha uma medida que era para reduzir esse subsídio. Só que seria num período muito rápido. A gente achou que o impacto seria muito grande e alongamos por mais alguns anos.
Valor: Qual é o projeto do governo para a Eletrobras?
Tolmasquim: A Eletrobras tem seu papel na expansão do setor elétrico. É uma grande empresa, mas se beneficiava do fato de ter usinas já amortizadas vendendo energia a preço de mercado. E a tarifa que está sendo proposta é uma tarifa de O&M [operação e manutenção] mais uma taxa de lucro de 10%. Hoje, uma usina nova precisa de um O&M de R$ 5 por MWh. Na proposta, as empresas estão recebendo em média R$ 9 por MWh.
Valor: A Eletrobras vai perder R$ 8,7 bilhões de receita por ano, deve R$ 24 bilhões ao BNDES e precisa investir R$ 10 bilhões por ano. Como vai sobreviver?
Tolmasquim: A Eletrobras é importante para o sistema, da mesma forma que são a Cesp e a Cemig. É curioso, porque este governo tem fama de ser estatista e agora está sendo acusado de prejudicar as estatais.
Elena: Conseguiram juntar os sindicalistas e o mercado financeiro. [Risos]
Valor: A empresa vai perder receita, mas continuará com problemas, como as distribuidoras federalizadas.
Tolmasquim: Mas para isso tem gestores e dirigentes. Gerir significa isso, colocar a empresa para funcionar com a receita que tem. E é uma receita viável.
Elena: Jogaram na Eletrobras a decisão de privatizar as [distribuidoras] federalizadas. Não é uma decisão de governo.
Tolmasquim: É uma decisão da Eletrobras vender, ou não. Existem maneiras de se ajustar as contas. Posso dizer que eu seria o último a fazer isso [privatizar] porque lutei contra as privatizações. Furnas só não é hoje privada porque na hora [da cisão da Eletrobras] teve um documento meu e do Pinguelli [Luiz Pinguelli Rosa, pesquisador da Coppe/UFRJ] que parou a privatização.
Elena: Está vendo que azar? Furnas estaria muito melhor. Já estaria com o custo de O&M lá embaixo. Hoje, a Tractebel [que adquiriu os ativos de geração privatizados da Eletrosul] é "benchmark" de custos.
Tolmasquim: Nunca imaginei que estaria hoje aqui nessa situação, com a Elena defendendo a Eletrobras e eu dizendo que tem que ajustar. Esse mundo está de cabeça para baixo. [Risos]
Elena: Sou a favor de privatização. Por que a Tractebel é "benchmark" do setor? Será que é porque foi privatizada?
Valor: Há dois anos, o governo dizia que era muito cedo para discutir as concessões, que o assunto poderia ser discutido em 2014, e as empresas exigiam urgência. Agora o governo exige pressa e as empresas pedem mais tempo. O que mudou?
Elena: As empresas querem um pouco de tempo para analisar o assunto, não precisa muito. Poderia haver uma trégua, baixar um pouco. Não é dar [a primeira renovação] para as usinas da Cemig, mas para todo mundo. Não custa nada, foram pouquíssimas empresas que ficaram para a última hora. Sabe há quanto tempo o pedido [de primeira renovação] de Três Irmãos está na Aneel? Três Irmãos fez o pedido em novembro de 2011. A Aneel não deu nenhuma resposta para Três Irmãos e incluiu na MP. Nem sei se a Cesp quer ou não quer, mas a Cesp está pagando por uma inércia da administração de que ela não tem culpa. Não tem por que a Serra da Mesa [de Furnas] ter obtido em abril a primeira renovação. Não pegou bem. Vocês [governo] fizeram 99% das primeiras renovações. E quando faltam apenas cinco ou seis usinas para fazer a primeira renovação, não fazem.
Tolmasquim: É um momento de corte.
Elena: Mas faltando só cinco usinas? Em abril, se renovou a concessão de Serra da Mesa, quando já se estava discutindo a MP. E faltando cinco, vocês não fazem [a renovação]? Isso é quebra de contrato.
Tolmasquim: A partir do momento em que se tomou a decisão, vale para todos. Na Lei 9.074 diz que a União "poderá" [dar a primeira renovação], visando garantir a qualidade...
Elena: Conheço o contrato da Cemig. Está garantida [o direito à primeira renovação]. E a Cemig é uma empresa ruim? A lei diz que a União "poderá", mas ela tem que motivar a administração. Está garantido [na lei]. Na hora em que se escreveu [na lei] que "está garantido", ela já optou pelo "poderá".
Tolmasquim: Se for assim, tem que dar a concessão por 50 anos.
Elena: O investidor comprou pensando nisso.
Tolmasquim: Isso não é verdade. E, se for, ela [Cemig] vai ganhar na Justiça.
Elena: Não estou falando do caso da Cemig. Estou falando do caso genérico de quem não teve a primeira renovação. São pouquíssimas empresas, que foram pegas no contrapé e que não gostam e que não entendem por que você tem 29 usinas, 15 mil MW renovados [na primeira renovação] e, de repente, falta muito pouco, 3 mil MW. 
Valor: Por que, no setor de transmissão, muitos ativos não serão indenizados?
Tolmasquim: No caso da transmissão, a grande discussão envolve os valores indenizados para os ativos construídos antes de 2000. Por quê? Antes de 2000, existiam ativos blindados. Isso quer dizer que não estavam sujeitos à revisão tarifária [como os construídos após 2000] e eram reajustados pelo IGPM. As concessionárias estavam recebendo esses reajustes sem haver reequilíbrio econômico. Por causa disso, as empresas se apropriaram de um ganho grande. Por causa disso, foi interpretado pela AGU que elas não teriam direito a indenização. Foi feito um acerto de contas, porque havia uma bolha de ganho. Houve uma interpretação legal da AGU de que esse ganho estaria sendo zerado. Nós seguimos essa interpretação. Foi falado que os dados estão sendo questionados pela Cesp etc. Estão mesmo. Existem questões como, por exemplo, o período de depreciação. As empresas estão recorrendo à Aneel, que está analisando os dados. Eventualmente, tendo algum equívoco, vai ser corrigido.
Valor: A coincidência de a Cemig e aCesp, que não obteve a primeira renovação para três usinas, pertencerem a governos cujo partido faz oposição ao PT pode levantar alguma suspeita?
Tolmasquim: Se este governo [Dilma] tivesse como característica fazer isso, se houvesse outros casos semelhantes, se fosse frequente, aí sim se poderia falar isso. O que aconteceu foi o seguinte: foi tomada uma medida e, a partir de hoje, essa medida vale para todos. A partir de hoje, mundo novo.
Valor: Isso não é risco regulatório?
Tolmasquim: Não. Tem uma legislação que diz que a União "poderá" dar a primeira renovação. Não está escrito "deverá".
Elena: Você interpreta contrato pela forma como vem sendo interpretado ao longo de toda sua existência. E 98% dos contratos tiveram a interpretação de que o "poderá" era uma garantia para renovar. Até Balbina [hidrelétrica que causou grande impacto ambiental na floresta amazônica] foi renovada.
Tolmasquim: O governo tomou uma decisão. Antes, não havia essa decisão de apropriar esse benefício para o consumidor.
Elena: O governo pode fazer o que quiser, mas não venha depois dizer que não é para ter renovação. Tinha direito, sim, e a Justiça vai decidir. É um risco regulatório, porque se mudou repentinamente a forma de uma interpretação de contrato, a forma de concessão de um direito.
Tolmasquim: Tem uma lei nova dizendo que a partir de agora as usinas, para terem o contrato prorrogado, têm que passar por essa renovação antecipada.
Elena: É lei. Você vai para o Supremo Tribunal Federal [STF] e discute. Desde o decreto presidencial do AI-5, a medida provisória é lei e tem trâmite para ser corrigida. Se o governo não voltar atrás, vai judicializar desnecessariamente essa questão, por causa de cinco ou seis usinas.
Tolmasquim: Infelizmente, judicializar é uma característica do nosso sistema. O novo modelo do setor elétrico foi para o STF.
Elena: Qual seria o efeito se o governo desse agora a primeira renovação para essas usinas que ficaram faltando?
Tolmasquim: Poderia vir um questionamento do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União [TCU].
Elena: Entendo a sua posição. A gente nunca vai agradar a todo mundo.
Tolmasquim: O TCU já avisou que vai passar o "pente fino" na questão da indenização, principalmente na da geração. Nos leilões, já temos essa experiência.
Valor: Como a Eletrobras vai realizar seu programa de investimentos agora? Ela tem 70% da transmissão e 40% da geração.
Tolmasquim: A Eletrobras não é nem a pior empresa do mundo, nem uma empresa que não tenha algumas gorduras. É uma empresa que tem margem para ser mais eficiente e tem um papel muito importante e vai continuar a ter.
Elena: Aposto que nos próximos cinco anos vai entrar dinheiro do Tesouro Nacional na Eletrobras, ou via BNDES. Essa MP merecia uma análise do impacto regulatório prévio. Porque a gente não sabe de fato o que vai acontecer com o preço da energia. Vamos ter um choque de preços no curto prazo na energia nova e isso não está sendo discutido.
Valor: Existem previsões de aumento do preço da energia no mercado livre, que atende aos consumidores industriais. Isso não vai de encontro ao objetivo?
Tolmasquim: Não tem como aumentar o preço. A gente está baixando a tust [tarifa de uso do sistema de transmissão], que é para todo mundo. O mercado livre não tem como aumentar o preço. É uma questão matemática. No mercado livre, o consumidor vai ter um abatimento da tust, porque vai baixar a tarifa de transmissão para todo mundo. [A energia no mercado livre] Não vai cair tanto quanto como vai cair no regulado. Mas dizer que vai aumentar é um absurdo.
Valor: Se as empresas não renovarem, o governo está preparado para assumir essas concessões?
Tolmasquim: Não. Vamos licitar. Não tem a possibilidade de a concessão ser renovada depois. Qualquer empresa, estatal ou privada, estaria na mesma questão.
Valor: Essa medida reflete uma marca do governo Dilma?
Tolmasquim: Não tenho dúvida que sim. Não tem jeito de fazer mudanças estruturais, no sentido de aumentar a competitividade da economia, sem eventualmente desagradar "A", "B" ou "C". Se diminuir os juros, alguém vai ficar descontente. Se desonerar a folha salarial, alguém vai ficar descontente. Governar é escolher. A pior coisa que tem é não fazer nada. A Eletrobras não vai desaparecer. Vai continuar atuando. Essas coisas vão passar e, estruturalmente, o Brasil estará mais saudável

 

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