Em Heróis de verdade, o escritorcombate a supervalorização da aparência e diz que falta ao Brasilcompetência, e não auto-estima
Camilo
Vannuchi
Observador
contumaz das manias humanas, Roberto Shinyashiki está cansado dos
jogos de aparência que tomaram conta das corporações e das
famílias. Nas entrevistas de emprego, por exemplo, os candidatos
repetem o que imaginam que deve ser dito. Num teatro constante, são
todos felizes, motivados, corretos, embora muitas vezes pequem na
competência. Dizem-se perfeccionistas: ninguém comete falhas,
ninguém erra. Como Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando
Pessoa) em Poema em linha reta,
o psiquiatra não compartilha da síndrome de super-heróis. “Nunca
conheci quem tivesse levado porrada na vida (...). Farto de semideuses, Roberto Shinyashiki faz soar seu alerta por
uma mudança de atitude. “O mundo precisa de pessoas mais simples e
verdadeiras.”
Istoé - Quem são os heróis
de verdade?
Roberto Shinyashiki -
Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de sucesso, você
precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado,
viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitir que erraram.
viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitir que erraram.
Istoé - O sr. citaria
exemplos?
Roberto Shinyashiki - Dona
Zilda Arns, que não vai a determinados programas de tevê nem
aparece de Cartier, mas está salvando milhões de pessoas. Quando eu
nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos
sete anos, empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro
miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são
meus heróis. Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão
bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito
“100% Jardim Irene”. É pena que a maior parte das pessoas
esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão,
doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países
como Japão, Suécia e Noruega, há mais suicídio do que homicídio.
Por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão das
aparências, que acomete a mulher que, embora não ame mais o marido,
mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um emprego que
não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.
Istoé - Qual o resultado
disso?
Roberto Shinyashiki -
Paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai quer preparar o
filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês, informática
e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única coisa
que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com
a desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão
roubando a infância dos filhos. Essas crianças serão adultos
inseguros e terão discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já
predomina no mundo corporativo.
Istoé - Por quê?
Roberto Shinyashiki - O
mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo
processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing
pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a
competência. Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça
que respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras.
Disse que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu
estar muito interessada, mas, como falava pouco, pediu que eu pesasse
o desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a
um emprego na contabilidade, e não de relações públicas.
Contratei na hora. Num processo clássico de seleção, ela não
passaria da primeira etapa.
Istoé - Há um script
estabelecido?
Roberto Shinyashiki -
Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente
de multinacional no programa O aprendiz? “Qual é seu defeito?” Todos
respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: “Eu mergulho de
cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar.” É exatamente o que o chefe
quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado
ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma
forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder.
O vice-presidente de uma das maiores empresas do planeta me disse: “Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir.” Isso significa que quem fala a verdade não chega a diretor?
de multinacional no programa O aprendiz? “Qual é seu defeito?” Todos
respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: “Eu mergulho de
cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar.” É exatamente o que o chefe
quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado
ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma
forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder.
O vice-presidente de uma das maiores empresas do planeta me disse: “Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir.” Isso significa que quem fala a verdade não chega a diretor?
Istoé - Temos um modelo de
gestão que premia pessoas mal preparadas?
Roberto Shinyashiki - Ele
cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se preparar,
que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se
preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação,
mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros
motivados. Há muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta
você assumir uma função para a qual não está preparado. Fui
cirurgião e me orgulho de nunca um paciente ter morrido na minha
mão. Mas tenho a humildade de reconhecer que isso nunca aconteceu
graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um caso para
o qual eu não estava preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade
achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou
incompetente e não acordou para isso.
Istoé - Está sobrando
auto-estima?
Roberto Shinyashiki - Falta
às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que os outros
digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter
conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta
para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não
conseguem nem ser nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As
pessoas parece que sabem, parece que fazem, parece que acreditam. E
poucos são humildes para confessar que não sabem. Há muitas
mulheres solitárias no Brasil que preferem dizer que é melhor
assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está
tudo bem.
Istoé - Por que nos deixamos
levar por essa necessidade de sermos perfeitos em tudo e de valorizar
a aparência?
Roberto Shinyashiki - Isso
vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando os heróis.
Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O técnico.
Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles
não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia:
“Quando você quiser entender a essência do ser humano, imagine a
rainha Elizabeth com uma crise de diarréia durante um jantar no
Palácio de Buckingham.” Pode parecer incrível, mas a rainha
Elizabeth também tem diarréia. Ela certamente já teve dor de
dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A
gente tem de parar de procurar super-heróis. Porque se o super-herói
não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.
Istoé - O conceito muda
quando a expectativa não se comprova?
Roberto Shinyashiki -
Exatamente. A gente não é super-herói nem superfracassado. A gente
acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada
de errado nisso. Hoje, as pessoas estão questionando o Lula em parte
porque acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram.
A crise será positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela
própria vida é delas.
Istoé - É comum colocar a
culpa nos outros?
Roberto Shinyashiki - Sim.
Há uma tendência a reclamar, dar desculpas e acusar alguém. Eu
vejo as pessoas escondendo suas humanidades. Todas as empresas
definem uma meta de crescimento no começo do ano. O presidente
estabelece que a meta
é crescer 15%, mas, se perguntar a ele em que está baseada essa expectativa, ele não vai saber responder. Ele estabelece um valor aleatoriamente, os diretores fingem que é factível e os vendedores já partem do princípio de que a meta não será cumprida e passam a buscar explicações para, no final do ano, justificar. A maioria das metas estabelecidas no Brasil não leva em conta a evolução do setor. É uma chutação total.
é crescer 15%, mas, se perguntar a ele em que está baseada essa expectativa, ele não vai saber responder. Ele estabelece um valor aleatoriamente, os diretores fingem que é factível e os vendedores já partem do princípio de que a meta não será cumprida e passam a buscar explicações para, no final do ano, justificar. A maioria das metas estabelecidas no Brasil não leva em conta a evolução do setor. É uma chutação total.
Istoé - Muitas pessoas acham
que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer essas coisas, já que
ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?
Roberto Shinyashiki -
Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz minha
vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e não
consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos).
Meu filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25
anos. Com uma criança especial, eu aprendi que ou eu a amo do jeito
que ela é ou vou massacrá-la o resto da vida para ser o filho que
eu gostaria que fosse. Quando olho para trás, vejo que 60% das
coisas que fiz deram certo. O resto foram apostas e erros. Dia desses
apostei na edição de um livro que não deu certo. Um amigão me
perguntou: “Quem decidiu publicar esse livro?” Eu respondi que
tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.
Isto É - Entrevista
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