Na última semana, as manchetes dos jornais saldaram o bom desempenho da Previdência Social – “o melhor resultado em nove anos”. De fato, até novembro de 2011 o segmento urbano teve superávit de 28 bilhões de reais. Com as renúncias fiscais – que deveriam ser bancadas pelo Tesouro – o superávit cai para 10 bilhões reais.
Esse resultado, fruto do crescimento da economia e da criação dos empregos formais, mostra a falácia das pregações dos profetas do apocalipse ligados ao mercado financeiro. Alguns escreveram que sem a reforma da previdência “o país seria ingovernável”.
Por desconhecimento ou má-fé não foram éticos ao sonegar à sociedade a informação de que problemas financeiros decorriam da redução do ritmo de crescimento das receitas durante mais de 25 anos em que a economia cresceu menos de 2% ao ano. Se tivesse crescido 4% ao ano, a atual relação despesa/ PIB (7,5%) seria metade.
Cansados de tantos mitos e falácias, um grupo de 33 especialistas lançou um livro apresentando ao debate uma visão alternativa àquela defendida pelos representantes do mercado financeiro: o real problema era exógeno (baixo crescimento) e não endógeno (aumento de despesas). Logo, a alternativa era maior crescimento econômico e não mais reformas ortodoxas para suprimir direitos**.
No meio acadêmico essa nova visão apresentada ao debate foi bem recebida; mas foi olimpicamente ignorada pelos formadores de opinião da grande imprensa.
No caso da Previdência Rural, até novembro de 2011 os gastos totalizaram 49 bilhões de reais (excluindo as renúncias fiscais ao agronegócio de 2,5 bilhões de reais). Todavia, à luz da Constituição, esse gasto não é “déficit”. E, sua fonte de financiamento não é a receita da previdência urbana.
O segmento rural é um benefício típico da “Seguridade Social” (todos têm direito ao mínimo, independente da sua capacidade de contribuição), antagônico da lógica privada do “Seguro Social” (somente tem direito quem contribui). Esse princípio, previsto no clássico Plano Beveridge (1944), base welfare state, inspirou os constituintes de 1988.
A sociedade concordou em assegurar uma velhice digna a milhões de trabalhadores rurais que começaram a trabalhar nas décadas de 1940, sem registro na carteira e em condições de semiescravidão. Passados 40 anos, em 1988, o que as forças do mercado pretendiam fazer? Deixar oito milhões de velhos rurais ao deus dará, vagando pelas ruas e sarjetas urbanas. Perderam, mas jamais aceitaram a derrota.
Reza o Plano Beveridge que benefícios da Seguridade Social são pagos pelo conjunto da sociedade por meio de impostos gerais. A Constituição criou duas novas contribuições (CSLL e COFINS) para essa finalidade.
Sentenciar que a Previdência Rural incorre em “déficit” é tão equivocado quanto afirmar que existe “rombo” nas contas dos ministérios da Defesa, do Planejamento, da Educação ou da Casa Civil. Qual a diferença? Nenhuma, pois todos são financiados por impostos gerais pagos pelo conjunto da sociedade.
Nesse sentido, faço um modesto apelo aos jovens jornalistas: leiam os artigos 194 e 195 da Constituição. Além de informar corretamente os leitores, se forem éticos, não reproduzirão manchetes como “Previdência regista menor déficit desde 2002”; ou “Déficit do INSS cai 22% e tem o menor valor desde 2002”.
Ao ministro da Previdência faço outro apelo singelo: mude a forma de contabilização dos dados da previdência. A atual – repetida desde 1989 – é claramente inconstitucional. Já escrevi e tenho incentivado o movimento social a impetrar Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Mas isso seria evitável se o ministério incluísse o COFINS e a CSLL como fontes de financiamento da previdência rural. Outra medida é excluir as renúncias fiscais – de responsabilidade do Tesouro Nacional. Com isso o ministro transformará o “abacaxi” num delicioso suco ou, se preferir, numa caipirinha.
Carta Capital
* Eduardo Fagnani é Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp
** FAGNANI, E; HENRIQUE, W; LÚCIO, C.. Previdência social: como incluir os excluídos? Uma agenda voltada para o desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Debates Contemporâneos – Economia Social e do Trabalho, n. 4. São Paulo: Editora LTr; Campinas: IE-UNICAMP, 2008, 584 páginas (ISBN 978-85-361-1202-2)
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