sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Roteiro de turbulências seguirá firme em 2012

SÃO PAULO - Poucos são os anos que ficam lembrados como ponto de mudança radical. Pode ser precipitação declarar que 2011 pertence a essa linhagem, mas é certo que o ano se apresenta como candidato. Os sete bilhões de humanos que agora caminham sobre o planeta enfrentam um cenário onde grandes mudanças geopolíticas, econômicas, climáticas e culturais são certas.

No ano em que morreram Osama bin Laden, Steve Jobs e Amy Winehouse não faltaram notícias. Para o cientista político francês Dominique Moïsi, autor de "A Geopolítica das Emoções", pelo menos no mundo árabe 2011 é comparável a 1989 (em que se derrubou o Muro de Berlim), 1968 (das manifestações de rua através do mundo) ou 1848 (ano de movimentos modernizadores na Europa).

Os processos iniciados ou revelados nos últimos 12 meses ainda têm a render. As revoluções árabes estão em marcha. É difícil prever o que resultará da miríade de greves, protestos e movimentos de ocupação, em vários formatos - sindical no Reino Unido, inovador na Espanha e nos Estados Unidos, político-partidário na Rússia. Também é uma incógnita o mundo que pode emergir da ascensão de novas forças geopolíticas: China, Índia, Brasil, Turquia. "Acho que 2012 vai ser ainda mais animado que 2011", diz o cientista político Maurício Santoro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

No próximo ano, o Brasil vai receber a Rio+20, que debaterá o desenvolvimento sustentável, depois do quase naufrágio da Conferência de Durban sobre o clima

No Brasil, ainda que a posse de Dilma Rousseff represente a vitória eleitoral da situação, a primeira mulher a governar o país assumiu o cargo, em janeiro, com uma proposta que incluía a promessa de enfatizar os direitos humanos. Mas 2011 ficou marcado pelas sucessivas denúncias de corrupção, que derrubaram seis ministros (Antonio Palocci, Alfredo Nascimento, Pedro Novais, Wagner Rossi, Orlando Silva e Carlos Lupi). "A corrupção pautou o Congresso e a mídia. Mas surgiu um paradoxo.

A corrupção é uma agenda negativa e o efeito sobre os governantes deveria ser negativo", afirma Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Dilma, porém, "talvez por ter mandado embora os ministros com relativa firmeza", terminou o ano com popularidade maior do que seus antecessores. A esse respeito, leia artigo de Maria Hermínia Tavares de Almeida à página 18.

Mesmo a oposição teve de se ver com acusações, com o lançamento, neste mês, do livro "A Privataria Tucana", de Amaury Ribeiro Júnior. Na economia, o desafio era manter um bom ritmo de crescimento sem ceder à pressão inflacionária. A inflação veio, atingindo o teto da meta (6,5%). Mas a contenção do crédito (medidas macroprudenciais) e as ondas de choque da crise europeia desaceleraram a economia, cujo crescimento não deve passar de 3%. "O governo errou a mão nas medidas macroprudenciais", diz João Sicsú, economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para ele, a intenção era desacelerar o PIB para algo em torno de 4,5%. Ao longo do ano, o debate econômico oscilou em dois planos - a apreciação do câmbio (o dólar chegou a atingir R$ 1,537) e a inflação, que deve fechar o ano em 6,52% (IPCA). A valorização do real, que sufoca a exportação, também segura a alta dos preços, sugerindo que, em outro cenário, o risco inflacionário seria ainda maior.

Para o economista Fabio Kanczuk, da Universidade de São Paulo (USP), o estouro da meta de inflação era previsível. "Estive no Banco Central no começo do ano e a previsão era de 5,2%. Falei que estava mais para 6% e me chamaram de louco", diz. "Para 2012 o mais provável é continuar nesse nível. O BC está afrouxando de novo a política monetária, para estimular o consumo."

Obama é favorito para a reeleição à Presidência dos Estados Unidos menos por suas qualidades do que pelas dificuldades dos adversários republicanos

O governo persegue um crescimento acima de 4% no próximo ano, mas o número será difícil de alcançar. O elemento determinante é a crise irradiada por uma Europa incapaz de se coordenar. Nesse meio-tempo, gregos vão às ruas contra os cortes de gastos públicos; governantes são substituídos em série - na Grécia e na Itália, os novos primeiros-ministros são técnicos do mercado; a Alemanha de Angela Merkel não quer ouvir falar em medidas de estímulo; a crise das dívidas soberanas ameaça economias maiores, como a italiana e mesmo, a distância, a França, quinta maior economia do mundo.

Os mercados voltam os olhos para os líderes europeus, porque a moratória italiana ou a saída de um país da zona do euro poderia desestruturar o sistema financeiro global, como aponta Kanczuk. Mas a solução que a cúpula europeia de dezembro ofereceu foi um tratado de maior união fiscal. Os países prometem manter os déficits abaixo de 3%. "Até hoje, os únicos países que conseguiram foram Alemanha, Finlândia e Suécia. Nem a França conseguiu!", comenta Santoro.
A adoção da austeridade radical na Europa deverá ser recebida com forte resistência. Foi o que aconteceu na América Latina, lembra Santoro: "Só que as sociedades europeias são mais estruturadas e mobilizadas socialmente. As pessoas não vão ficar em casa vendo seus direitos serem riscados".

Porém, a extrema direita, sempre crítica da cessão de soberania para instâncias supranacionais, tende a sair vencedora. Dominique Moïsi ressalta um ponto capital: nacionalismo e xenofobia são uma expressão de medo produzida, acima de tudo, pela falta de perspectivas. Essencialmente, o maior problema é o desemprego, com índices próximos aos que havia no norte da África ao eclodir a Primavera Árabe.

A avalanche de protestos irradiados da Tunísia é o eixo central de manifestações que se espalharam pelo mundo: protestos estudantis no Chile, acampamentos em Israel, ocupações na Espanha e nos EUA, confrontos na Grécia, levantes na Rússia. Na África subsaariana, movimentos democratizantes ganharam fôlego com o sucesso das revoluções ao Norte. Mas esses movimentos já existiam. "É como um bumerangue, lançado por Libéria, Quênia, Gana, Costa do Marfim", diz Santoro. "Para o tunisiano, que é árabe, mas também africano, ver esses países lutando por democracia provoca pelo menos um pouco."
O ano ficou marcado por mais de uma tragédia ambiental, como o tsunami que devastou parte do Japão (foto) e as chuvas que arrasaram cidades serranas do Rio
Vitórias de partidos islâmicos na Tunísia, no Egito e no Marrocos suscitam especulações sobre um "inverno islamita". Mas também para esse cenário uma boa comparação pode ser com a América Latina, onde a democratização, após as ditaduras, foi gradual e negociada. "A Tunísia seria como o Uruguai; o Egito, como o Chile", compara Santoro. A sociedade tunisiana, de vasta classe média e sem conflitos étnicos, elegeu um partido islâmico moderado (Ennahda). O Egito, com a maior minoria cristã da região (os coptas, 5% da população) e um exército hipertrofiado política e economicamente, terá uma transição mais dura. Em outros países, a Primavera Árabe engatinha. Já a Síria flerta com a guerra civil. "Mas é uma guerra em que o governo tem a mão forte", diz Santoro. "Por enquanto, Bashar Assad matou 5 mil pessoas. Seu pai, Hafez Assad, matou 20 mil. Ele ainda está longe de ser derrubado."

O ambiente internacional menos propício a violações de direitos humanos pode ser uma pedra no sapato do ditador. E a relação com autocratas árabes pode ser a pedra no sapato da política externa brasileira. O Brasil recebeu a desconfiança das demais potências por sua cautela ao lidar com Síria e Irã, bem como pela abstenção na votação da Organização das Nações Unidas (ONU) que determinou a intervenção na Líbia. Outros temas sensíveis para um país que pretende aumentar sua participação nas decisões multilaterais e globais são a agenda ambiental e os direitos humanos, justamente a área que a presidente determinou como prioritária ao assumir o cargo.
                                                                   Teresópolis, município da Região Serrana do Rio de Janeiro
A agenda ambiental ganha importância num ano que se abriu sob o signo dos desastres naturais. Entre eles, destacam-se os deslizamentos de terra na Serra Fluminense, que mataram mais de 900 pessoas.

Em março, o tsunami do Japão deixou pelo menos 16 mil vítimas e atingiu a usina nuclear de Fukushima, a maior tragédia atômica desde Chernobyl, há 25 anos. Nesse contexto, o Brasil se destacou positiva e negativamente. Foi criticado pela iminente aprovação do novo código florestal, que, na prática, permite o aumento dos desmatamentos na Amazônia e nas encostas urbanas. Mas seus diplomatas receberam elogios por evitar o naufrágio da Conferência de Durban, que discutiu a mudança climática. "Havia o risco de enterrar de vez Protocolo de Kyoto. No contexto da crise, em que os países querem estimular as economias a qualquer custo, o pouco que se conseguiu foi uma grande vitória", sugere Santoro. No próximo ano, o Brasil receberá a conferência Rio+20, que debaterá o desenvolvimento sustentável.

Em 2012, também se espera do Brasil que dê uma satisfação a críticas quanto à tortura no regime militar. Condenado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) por não investigar o paradeiro dos mortos durante a guerrilha do Araguaia, e comparado a vizinhos como Argentina e Uruguai, que reviram suas leis de anistia para condenar os responsáveis por torturas, o Brasil instaurou a Comissão da Verdade. "É uma comissão sem poder de punição e com poucos membros, mas é melhor do que não ter comissão nenhuma", estima Santoro. "Pode incitar discussões sobre a tortura aos presos mesmo na democracia."
O presidente da França, Nicolas Sarkozy, e a primeira-ministra alemã, Angela Merkel: a cúpula europeia ofereceu como solução para a crise um tratado para a maior união fiscal.
A exigência sobre o Brasil reflete a mudança de seu lugar no mundo e os fenômenos internos à sociedade. A classe média ganha novos membros e "as pessoas se satisfazem com o que têm dentro de casa, mas se irritam com o que está fora, como o transporte público e os equipamentos urbanos", assinala Sicsú. "Se a economia cresce, o país se depara com seus gargalos." O sistema energético, a formação de mão de obra e a infraestrutura do Brasil não aguentam uma taxa de crescimento como a de 2010 (7,7%). Para o economista da UFRJ, é possível enfrentar esses gargalos com um crescimento de 4,5%. O gargalo político está na exigência de moralidade, como diz Fornazieri. "A população tolera menos a corrupção, mas isso só terá efeito se for traduzido em leis e punição", diz. Ele não vê sinais de que o próximo passo esteja para ser dado.

No Brasil e no mundo, 2012 será ano eleitoral. A tendência nos EUA e na Europa é a mesma de 2011: quem está no poder perde, como na Espanha, onde a esquerda foi rechaçada, e na França, onde a direita perdeu as eleições legislativas de todas as regiões, exceto a Alsácia. Barack Obama é favorito para a reeleição menos por suas qualidades do que pelas dificuldades dos adversários republicanos, que não têm um nome convincente. Nicolas Sarkozy é um grande candidato a perder o emprego para François Hollande em Paris e mesmo o russo Vladimir Putin terá de fazer frente a uma oposição capaz de lhe causar dificuldades.
Na Casa Branca, Obama e autoridades veem imagens da captura e morte de Osama bin Laden: a Primavera Árabe, grande evento de 2011, pode se tornar um "inverno islamita"
As eleições municipais brasileiras prometem menos emoções, a não ser pela participação de um novo partido, o PSD. Quando Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, anunciou a fundação da sigla, o DEM quem mais lutou para evitar a sangria: suas hostes foram as mais desfalcadas. Segundo Fornazieri, "o surgimento da sigla só é possível no quadro de derrocada das oposições", mas o efeito sobre as eleições não deve ser significativo.
Valor Econômico - Por Diego Viana | De São Paulo 

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