A desigualdade atualmente ocupa a mente das pessoas em quase todos os lugares. De fato, nas duas maiores democracias do mundo, Índia e Estados Unidos, amplos movimentos populares contra a crescente desigualdade e a ganância da elite vêm ganhando alto destaque nas eleições nacionais.
Em ambos os países, no entanto, algumas desigualdades sociais diminuíram nas últimas décadas. Na Índia, certos grupos historicamente desfavorecidos (particularmente entre as castas mais baixas) agora são politicamente atuantes. Os vestígios mais visíveis da discriminação por castas gradualmente desaparecem. Da mesma forma, nos EUA, diminui a discriminação contra mulheres, afro-americanos, latinos e homossexuais.
Essas mudanças refletem um avanço democrático nos dois países. Ao mesmo tempo, a estrutura democrática vem sendo retorcida pelo aumento desconcertante da desigualdade econômica.
Em geral, a desigualdade econômica é mais fácil de justificar que o racismo e outras formas odiosas de discriminação. Um princípio fundamental da sociedade nos EUA é que todos têm chances iguais - crença que parece mais plausível quando há declínio do preconceito social. Na Índia, esse mito é mais fraco, mas há uma sensação geral, compartilhada até por parte dos mais pobres, de que os ricos merecem sua riqueza, por seus méritos, educação e habilidades.
Há dois problemas quanto a esse argumento. Primeiro, educação e habilidades adquiridas não são talentos natos. Os ricos têm acesso a melhores escolas, assistência médica e apoio social, o que desempenha papel decisivo no futuro sucesso acadêmico e social. Quando estudantes de famílias pobres começam a ir mal na escola, têm pouco ou nenhum acesso a classes de reforço. Como resultado, a Índia tem os maiores números de abandono escolar do mundo.
Outro problema nos dois países é a crescente relevância das "rendas imerecidas". Na Índia, como em outras economias de alta expansão, recursos públicos como as terras, minerais, petróleo e gás, assim como as telecomunicações viram seu valor de mercado disparar recentemente, gerando rendas imerecidas extremamente elevadas para os mais bem conectados politicamente.
Nos EUA, a desregulamentação do setor financeiro nas últimas décadas e a ascensão concomitante de instrumentos financeiros duvidosos desestabilizaram a economia real, pouco contribuindo para melhorar a produtividade. O resultado, como todos sabem, foram ganhos financeiros exorbitantes para alguns poucos selecionados, seguidos de grandes prejuízos que tiveram de ser pagos por muitos.
Os exemplos nos Estados Unidos e Índia sugerem que, em sociedades democráticas, grupos que promovem a discriminação social ficam politicamente mais fracos com o tempo. A desigualdade econômica, por outro lado, é perpetrada por lobbies, politicamente poderosos e de grandes recursos, dos mais ricos. A tendência é reforçada à medida que as eleições ficam mais caras em ambos os países, deixando os políticos cada vez mais dependentes das contribuições de doadores ricos, que exigem políticas favoráveis a seus interesses.
Isso implica que os movimentos igualitários e antidiscriminação precisam ampliar seu foco, para também incluir reformas eleitorais, melhor regulamentação financeira, privatização transparente e, acima de tudo, uma remodelação do sistema educacional, para assegurar escolas de alta qualidade para os pobres, assim como nutrição e assistência médica pré-escolar. Além disso, investimentos maciços dos dois países na criação de infraestrutura física criariam empregos para algumas pessoas e melhorariam a produtividade de outros.
As vantagens de melhorar a educação, criar mais empregos e aumentar a produtividade parecem evidentes. A questão, então, é por que Índia e EUA negligenciam a educação dos mais pobres, assim como a infraestrutura. A resposta está, em parte, no fato de que os ricos dos dois países estão deixando de usar muitos serviços públicos. Eles enviam seus filhos para escolas particulares de elite, são tratados em caros hospitais particulares e vivem em comunidades cercadas por muros, onde a segurança e outros serviços são particulares.
Além disso, atualmente as grandes empresas têm suas próprias usinas de energia e estradas particulares, além de muitos serviços internos. À medida que os mais ricos se afastam da infraestrutura pública, da qual o resto da sociedade depende, torna-se um desafio cada vez maior tributá-los para que paguem por serviços que não querem ou não precisam. Enquanto isso, as instituições pré-existentes de contrabalanço (como os sindicatos) para os trabalhadores são corroídas por novas tecnologias e pela globalização.
Na Índia, a maior igualdade social levou pequenos grupos subordinados socialmente a entrar na elite política e econômica. Uma vez lá, no entanto, em vez de tentar mudar as condições dos mais pobres, adotam os valores da elite, enquanto manipulam os símbolos de identidade política - uma tática que ainda atrai votos (a África do Sul democrática mostra como é difícil progredir no apartheid econômico).
Tanto Índia como EUA responderam às inquietações contra a crescente desigualdade econômica com uma espécie de populismo reativo. Na Índia, isso se materializa na forma do perdão de dívidas para agricultores em dificuldade (o que enfraquece os bancos); controles sobre os preços da água, eletricidade e transporte público (o que arruína os orçamentos governamentais e corrói as perspectivas de investimento de longo prazo nessas áreas); e mais subsídios a alimentos no ineficiente e corrupto sistema público de distribuição. Enquanto isso, nos EUA, movimentos populistas de direita preferem cortes de impostos a investimentos de longo prazo em infraestrutura. Na outra ponta do espectro, anarquistas contrários ao Estado não apoiam instituições que sustentem investimentos voltados aos mais pobres.
As duas maiores democracias do mundo deparam-se com sérios desafios econômicos. Precisam encontrar uma forma de canalizar a raiva cada vez maior provocada pela desigualdade econômica e direcioná-la a investimentos produtivos que façam os ricos sentirem que devem participar na melhora das condições dos mais pobres. Se Índia e EUA avançarem na superação desse tipo de desigualdade, a mais impactante de todas, poderão revigorar suas democracias - e economias.
(Tradução de Sabino Ahumada)
Pranab Bardhan é professor de economia na University of Califórnia, em Berkeley, e autor de "Awakening Giants, Feet of Clay: Assessing the Rise of China and India (algo como, "O despertar dos gigantes, pés de barro: uma avaliação da ascensão da China e Índia"). Copyright: Project Syndicate, 2011.
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