sábado, 15 de outubro de 2011

Uma cultura forte pode produzir uma liderança fraca

Por Betania Tanure
 
Empresas reconhecidas pela força da sua cultura- que, indiscutivelmente, as diferencia, sustenta seu crescimento e serve como uma importante vantagem competitiva -correm o risco de cair em uma armadilha, a de desconsiderar a importância de um processo de desenvolvimento de liderança articulado, forte e robusto. Esse risco, inclusive, pode ser maior quando os fundadores ainda estão por perto.

Cultura forte implica na existência de mecanismos de socialização que integrem as pessoas, que as selecionem, as promovam ou não, que reforçem essa cultura em um círculo virtuoso promissor. Ou seja, seus princípios, suas normas, suas premissas, seus conceitos e valores e uma linguagem própria sustentam o crescimento da organização. Para ter o "jeito" da empresa, um líder é formado e modelado no dia a dia: nas reuniões com os "fundadores", nos embates cotidianos, nas conversas informais e na instigante convivência com pessoas brilhantes e audaciosas.

O processo de seleção deve contribuir para formar o time, e nesse caso é comum que seja mais efetivo do que quando as empresas se burocratizam e fazem da sua imagem o grande atrativo para quem está de fora. A preocupação maior quando se busca a sedução pela imagem é vender a empresa. Ocultam-se suas contradições, seu lado sombrio. Isso contribui para baixar o nível de retenção das pessoas, que muitas vezes recuam ao deparar com uma realidade bem diferente da que esperavam encontrar.

Em uma cultura forte, os fundadores não têm medo de falar do lado sombrio da organização, até porque não veem seus problemas como sombras, genuinamente, e sim como um desafio estimulador. Têm a consciência de que isso os levará a avançar. As pessoas certas são escolhidas por quem respira a cultura da empresa, por quem transpira no cotidiano os valores dela, por quem não enxerga a possibilidade de viver diferente. Dessa forma, o crivo cultural no processo seletivo se estabelece, reforçando mais uma vez a cultura.

Empresas assim, a exemplo de muitas brasileiras, cresceram, tornaram-se admiradas, ganharam prêmios e passam agora por novos desafios. Será que a cultura forte que as trouxe com sucesso até aqui as levará a ser bem-sucedidas no futuro? Será que a geração do empreendedorismo que por longo tempo não encontrou obstáculos intransponíveis continua nesse caminho?

Antes se tinha pouco a perder. Agora é diferente. À geração de líderes que contribuíram para o crescimento das empresas somam-se agora inúmeros executivos vindos do mercado. Só que, seniores ou não, os recém-chegados não pertencem instantânea e naturalmente à tribo já atuante. É fato que, com sua inteligência aguçada, os novos profissionais incorporam rapidamente o discurso, as palavras-chave da cultura. Não sabem, porém, operar nela, pois foram formados em outra "escola". E não admitem isso. Afinal, fazê-lo não seria "de bom tom", pois se espera que executivos experientes, principalmente os seniores, saibam operar em outras culturas e que isso faça parte de seu papel. O pior é que não existe um sistema articulado de desenvolvimento que os suporte.

Quem engana quem nesse jogo? A oxigenação tem uma faceta de grande importância na evolução da empresa, no entanto a ausência de um processo de desenvolvimento articulado de liderança e cultura põe em risco uma grande vantagem competitiva. E quem está no poder demora a se dar conta dessa silenciosa destruição de valor. Não raramente, quando os dirigentes tomam consciência deste gap, já estão muito atrasados. Então, têm de correr -seja para criar as bases verdadeiras de um processo e de uma estrutura de liderança, seja para garantir as condições mínimas para que a cultura continue de fato a ser uma fonte de vantagem, e não de desvantagem, competitiva.

Betania Tanure é doutora, professora da PUC Minas e consultora da BTA

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