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Filho do bilionário americano Warren Buffett, o músico conta como foi crescer longe do dinheiro e da carreira do pai
Cada vez que o nome Warren Buffett é citado nos jornais ou numa roda de investidores, ele vem rodeado de adjetivos e apostos grandiosos: megainvestidor, o homem mais rico do mundo, um gênio das finanças. É difícil imaginar Buffett, que ganhou cerca de US$ 45 bilhões investindo na Bolsa de Valores, como um homem simples, que mora na mesma casa e trabalha no mesmo escritório há 48 anos, no Meio-Oeste americano. Foi nessa mesma casa que ele criou os três filhos sem mimos e excessos monetários que rodeiam os herdeiros de famílias privilegiadas e os incentivou a ganhar o próprio dinheiro, longe da sombra brilhante do pai. O caçula, o músico Peter Buffett, de 63 anos, resolveu contar essa história no livro A vida é o que você faz dela, que acaba de chegar ao Brasil.
Nele, Peter dá conselhos aos pais que imaginam que o dinheiro garante a felicidade dos filhos. “Dê a seus filhos acesso ilimitado a um cartão de crédito, e eles nunca conhecerão a sensação de ter conquistado algo por esforço próprio.”
Peter Buffett (Foto: ChinaFotoPress/Getty Images) |
QUEM É?
O QUE GANHOU?
O QUE PUBLICOU?
Filho mais novo do megainvestidor americano Warren Buffett. É compositor e produtor musical, além de dirigir uma fundação que investe na educação e no desenvolvimento de meninas de todo o mundo
O QUE GANHOU?
Um Emmy de Melhor Trilha Sonora pela minissérie 500 nations. Compôs a canção “Fire dance”, do filme Dança com lobos (1990)
O QUE PUBLICOU?
A vida é o que você faz dela, 272 páginas, R$ 29,90, Editora BestSeller
ÉPOCA – Por que o senhor decidiu escrever um livro com conselhos sobre como criar filhos?
Peter Buffett – Nunca imaginei que escreveria um livro, a ideia não foi minha (risos). Mas envelheci, minha carreira de músico se estabilizou e, ao mesmo tempo, meu pai foi ficando cada vez mais famoso dentro e fora do mundo das finanças. E comecei a ouvir, com muita frequência, quando era apresentado a alguém, a seguinte frase: “Você é filho de Warren Buffett? Nossa, mas você é tão normal!”. Achava graça. Por que não seria normal? Então percebi que as pessoas faziam suposições a respeito do que deveriam ser os filhos de pais que têm muito dinheiro. E percebi que os valores e a educação que meus pais me deram fizeram de mim um adulto normal. As pessoas realmente ficam surpresas em saber que tenho minha própria vida, minha própria carreira, ganho meu próprio dinheiro desde os 20 anos. Comentando isso com alguns amigos próximos, eles me disseram que isso poderia virar um livro.
ÉPOCA – Foi difícil lidar com essas expectativas a seu respeito quando o senhor era mais novo? Seu sobrenome chegou a ser um peso?
Buffett – É engraçado isso. Tive sorte de alguma forma, porque, além dos que trabalham e conhecem o mercado financeiro, ninguém mais conhecia meu pai há até pouco tempo. Até uns dez anos atrás, ele não era famoso. Mesmo no mundo financeiro, ele foi um desconhecido por muitos anos, durante toda a minha infância e adolescência. Então não via meu pai como alguém especial. Ele era só meu pai. Por isso, não tive de carregar, naquele período, o estereótipo de herdeiro. Isso só aconteceu comigo de dez anos para cá. Felizmente a essa altura tinha minha própria vida, minha própria carreira, me sustentava sozinho. Então não foi difícil fazer parte dessa família.
ÉPOCA – E quando seu pai começou a ganhar dinheiro? O que mudou na
rotina da família?
rotina da família?
Buffett – Acredite ou não, mas nunca pensei em quanto dinheiro meu pai ganhava até chegar aos meus 20 anos. É estranho, mas é verdade. De repente meu pai ficou famoso, e as pessoas começaram a ter uma ideia diferente de nossa família. Minha mãe e eu costumávamos rir disso, porque as coisas em casa continuavam exatamente iguais. Não é porque o veem de modo diferente que você se torna diferente. Durante todo o tempo em que morei na casa de meus pais, até os 20 anos, não havia nada de extravagante em nossa vida, em nossa rotina. E é assim até hoje. Meu pai ainda vive na mesma casa, em Omaha, no Nebraska, que não é chique nem ostensiva. É uma casa normal, com uma vizinhança normal. Durante toda a sua vida, minha mãe (Susan, morta em 2004) nunca deixou de frequentar essa vizinhança e de ser amiga de quem ela era. Minha família não mudou, meu pai não se tornou uma pessoa diferente depois que o mundo ficou sabendo quem ele era e o que ele fazia.
ÉPOCA – Isso quer dizer que seu pai e sua família não ligam para dinheiro?
Buffett – Ter dinheiro é importante, não quero e não vou negar isso. Ele paga as contas, coloca comida na mesa. Mas o que era mais importante para meus pais era formar filhos independentes, donos de sua própria vida e felizes. E eles fizeram isso nos ensinando valores que são universais, que funcionam para famílias de qualquer lugar do mundo e de qualquer classe social.
ÉPOCA – Que valores são esses?
Buffett – O mais importante deles é a igualdade. Todo mundo merece ter as mesmas oportunidades, não importa qual religião siga, onde nasceu, classe social. Essa lição ouvi de meu pai e de minha mãe desde cedo e foi fundamental para que eu entendesse que você não nasce numa família rica porque mereceu isso, por mérito seu. É só sorte. Meu pai costumava chamar isso de loteria do nascimento. Muitos jovens herdeiros cometem o equívoco de achar que nasceram merecedores da fortuna dos pais e deixam de traçar seu próprio caminho e descobrir o que realmente gostam de fazer. O que nos leva a outra lição, essa aprendida com meu pai: para ser feliz, descubra o que você realmente gosta de fazer e faça. E não foi ganhar muito dinheiro que fazia meu pai feliz. Claro, ganhar dinheiro deixa todo mundo feliz. Mas, para ele, o principal é fazer o que gosta, não importa o que seja, todos os dias e do melhor jeito possível.
ÉPOCA – Não fica fácil para um pai dizer aos filhos que dinheiro não importa se ele é bilionário?
Buffett – Não é fácil para nenhum pai ensinar valores a seus filhos, quaisquer que sejam eles. Por mais que repitam o que julgam certo e melhor para seus filhos, se eles não se comportarem de acordo com o que estão dizendo, se isso não é o que realmente são, não vai adiantar. Não adianta um pai dizer que dinheiro não é importante se ele troca de carro todo ano e se preocupa com a aparência quando encontra os vizinhos. Acredito que os valores de alguém precisam estar em linha com o que ele é. Não com o que ele diz. Isso é crítico para pais preocupados em ensinar valores aos filhos.
ÉPOCA – O senhor pode citar alguma situação que mostre como seu pai lhe ensinou pelo exemplo?
Buffett – A coisa mais incrível que aprendi observando meu pai foi gostar do trabalho. Via como ele amava o que fazia – e como isso era consistente nele. Eu me lembro de vê-lo sentado por horas em seu escritório em casa, lendo livros e relatórios estatísticos sobre empresas, numa espécie de transe, uma coisa um pouco mítica até. E ele nunca foi aquele tipo de pai que chega em casa reclamando do chefe, do cansaço, odiando seu emprego. Ele sempre chegava no mesmo horário, sempre se sentava para jantar conosco, depois lia os jornais, sempre sentado na mesma poltrona. Tive sorte de testemunhar isso e aprender a perseguir o que gostaria de fazer todos os dias de minha vida.
ÉPOCA – O senhor falando assim parece que tanto o trabalho dele quanto o seu são um mar de rosas...
Buffett – É claro que nem todos os dias são perfeitos. Longe disso. Em meu trabalho, tenho chateações, tenho de virar madrugadas, discutir com clientes. Mas, no fim, ainda estou fazendo música – e gosto de fazer música mais do que qualquer outra coisa no mundo. O que aprendi com meu pai é quanto você pode ser feliz se você se dedicar a algo que você gosta, mesmo com todas as chateações que um trabalho traz. Meu pai completou 81 anos na semana passada e ainda trabalha no mesmo escritório de 1964! Se deixassem, ainda usaria as mesmas roupas. Ele não liga, só quer saber de fazer o que gosta.
ÉPOCA – O senhor acha que alguns pais confundem sucesso e felicidade com ganhar muito dinheiro?
Buffett – O tempo todo. É por isso que as pessoas são tão curiosas a respeito de meu livro. Somos bombardeados diariamente por essa ideia de que ter muito dinheiro acelera e garante a felicidade. E, mesmo que ela nunca venha, alguns pais continuam financiando seus filhos e imaginando o que deu errado. As crianças não aprendem a construir sua própria vida ganhando coisas. Dê a seus filhos acesso ilimitado a um cartão de crédito, e eles nunca conhecerão a sensação de ter conquistado algo por eles mesmos. Esse é o maior prejuízo que o dinheiro pode causar.
ÉPOCA – O senhor nunca pensou em seguir a carreira de seu pai?
Buffett – Não...
ÉPOCA – Nem por um segundo?
Buffett – O.k., pensei por alguns dias (risos). Foi quando entrei na faculdade e estava tentando encontrar meu caminho. Matriculei-me no maior número de disciplinas possíveis para tentar experimentar de tudo um pouco e escolher o que queria seguir. Wall Street era uma das possibilidades. Mas foi uma bobagem, nem me interessava em saber mais sobre o que meu pai fazia. Simplesmente sabia que aquilo não era para mim. As pessoas pensam, até hoje, que só posso ser maluco de não seguir os passos de meu pai e desperdiçar tamanha oportunidade de aprender com ele, de aproveitar seu nome.
ÉPOCA – O senhor desistiu da Universidade Stanford para seguir carreira na música. Foi uma decisão difícil?
Buffett – Sim, foi. Mesmo sempre ouvindo de meus pais “siga sua paixão”, nunca é fácil dizer que Stanford vai ficar para depois, primeiro vou me mudar para San Francisco e tentar ganhar dinheiro tocando guitarra (risos). Sabia que muito provavelmente eles me apoiariam, mas mesmo assim me senti muito bem quando eles disseram. O.k., vá em frente”.
ÉPOCA – Seus pais financiaram sua empreitada?
Buffett – Havia recebido, pouco antes, uma herança de meu avô. Usei esse dinheiro para ganhar tempo e investir no início da carreira. Sei muito bem que foi um privilégio, que, apesar de pequena, a quantia (de US$ 90 mil) era muito mais do que a maioria dos jovens tem no começo da vida. Sem esse privilégio, talvez tivesse tentado arrumar um emprego. Mas o importante é que seria na área de música. Decidi o que queria fazer e me comprometi com aquilo. No fim, meu pai ajudou fazendo um orçamento para render o dinheiro que eu tinha o máximo possível. Bem, ele era bom nisso (risos).
ÉPOCA – Como foi saber que seu pai doaria sua fortuna para a caridade?
Buffett – As pessoas acham que eu e meus irmãos ficamos chateados, mas a verdade é que nós já sabíamos que ele faria isso. Nunca achamos que ficaríamos com o dinheiro. A surpresa foi que ele fez isso ainda vivo. Também foi uma surpresa ele ter deixado para cada um de nós uma quantia que deveria ser usada para devolver para a sociedade o que ganhamos dela.
CAMILA GUIMARÃES
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