Dá para contar nos dedos os países com instituições, governança pública e privada e situação fiscal que lhes ofereçam flexibilidade e pujança para navegar no mar revolto que se vislumbra para o futuro.
Na raiz da "malaise" global está o fabuloso ajuste fiscal a que serão compelidos os EUA, a Europa e o Japão, que manterá a taxa de crescimento global em patamar anêmico por vários anos.
O panorama do mundo rico é sombrio. O desemprego continuará elevado, os jovens terão dificuldade para se empregar e será mais estreito o acesso à saúde e à educação públicas, assim como a transferência de renda para os aposentados e os desamparados. Trata-se de um ambiente de deflação de expectativas, frustração e conflito, como já se vê em alguns países europeus.
Seria bom contar com alguma dose de tolerância política e coesão social para lidar com esses desafios. Infelizmente, nas crises, o jogo de empurra dificulta os acordos. Até que eles sejam inevitáveis para garantir a sobrevivência. A solidariedade na miséria é uma experiência que os EUA e a Europa viveram na primeira metade do século XX, da qual só os bisavôs se lembram.
Também seria preciso líderes dispostos a avançar soluções complexas e impopulares. Mas nessa hora eles se veem encurralados entre o rigor dos mercados e a frustração dos cidadãos. Os primeiros querem um ajuste e os segundos querem algum alívio. Incapazes de entregar um ou outro, os líderes preferem se negar a ver ou a revelar a verdade, e partem para soluções nacionalistas e protecionistas que suprimem os sintomas, mas não eliminam, quando não exacerbam, as causas dos problemas.
E nós com isso?
No Brasil, os avanços institucionais e econômicos dos governos FHC e Lula 1 contribuíram para que os últimos anos tenham sido bons. Mas é preciso reconhecer que o país surfou o boom global de 2003-2008 e, depois, o boom chinês de 2009-2011. O fato é que a nossa sensação de melhora em muito se deve ao bônus global, que o governo Lula 2 usou para financiar um farto programa de subsídios para variados grupos econômicos e sociais. Poderíamos ter poupado para o tempo das vacas magras.
Mesmo pujante, o Brasil é muito vulnerável. No cenário em que o mundo desenvolvido e a China desaceleram, não deve haver ilusões, o governo brasileiro terá que cortar gastos e frustrar as expectativas dos cidadãos. Esse ajuste pode ser tão menos doloroso quanto maior for o investimento em ações preventivas.
Quais são as principais lições daqueles países que estão no olho do furacão?
Primeiro, fortalecer os instrumentos de avaliação de risco do sistema financeiro. Isso significa que a expansão do crédito em resposta ao choque global deve ser parcimoniosa sob risco de causarmos a nossa própria bolha. Alan Greenspan jamais imaginou que a política monetária pós-Nasdaq pudesse ser um ingrediente da crise que nos trouxe até aqui. O governo espanhol jamais imaginou que o boom imobiliário fosse solapar os bons fundamentos fiscais desenvolvidos ao longo de anos.
Segundo, adotar medidas que reduzam a trajetória da dívida pública de longo prazo e aumentem radicalmente a capacidade de aumentar e diminuir os gastos públicos. Essas reformas são essenciais para acumular artilharia para a hora do aperto. Hoje, nosso armazém de armas está vazio. Mesmo com as receitas crescendo acima do Produto Interno Bruto (PIB) durante anos, o governo mal consegue fazer um ajuste de 1% do PIB.
Essas são iniciativas para blindar o país contra o que pode se revelar uma mudança histórica da economia global. Assim como o ingrediente fundamental para reduzir a taxa de juros de forma permanente e, assim, a pressão sobre o real. Agora é a hora para fazer o seguro contra catástrofes. Agora que a economia está bem e o prêmio de seguro é politicamente barato. A história dos países ricos mostra que o prêmio torna-se quase proibitivo quando há escassez de munição, a economia está empobrecida e as lideranças sem credibilidade.
Edward Amadeo é economista da Gávea Investimentos
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