Na Líbia, quatro cenários podem afetar negativamente as perspectivas de democratização: guerra civil/tribal, governo militar, que o país fique "atolado em uma transição" e divisão do país. Tendo em vista o alto preço que os líbios pagaram, é melhor buscar a prevenção desses cenários, para depois não haver necessidade de uma cura.
O cenário de guerra civil/tribal é o de maior risco. Os revolucionários egípcios compreenderam isso. Quando a violência sectária irrompeu no país, após a retirada de Hosni Mubarak, as coalizões revolucionárias adotaram o lema "Você não terá esse prazer, Mubarak". As ditaduras repressoras não vencem em eleições livres e justas, mas podem usar violência extrema para consolidar seu controle sobre o Estado, seu povo e instituições.
Para vencer, portanto, o coronel líbio Muamar Gadafi transformou a campanha de resistência civil em um conflito armado. Estudo publicado pela Columbia University sobre resistências civis mostrou que a possibilidade de um país voltar a cair em guerra civil depois de uma campanha armada bem-sucedida contra alguma ditadura é de 43%, em comparação à de 28%, quando a campanha não é armada.
De acordo com o mesmo estudo, baseado em 323 casos de campanhas de oposição, com e sem armas, entre 1900 e 2006, a probabilidade de transição democrática dentro de cinco anos após uma campanha armada bem-sucedida é de apenas 3%, em comparação com a de 51%, quando não há armas.
A Líbia, é claro, pode sobreviver à perspectiva sombria de uma guerra civil pós-autoritária, mas isso exigirá conter a polarização regional e tribal, assim como as rivalidades entre o Conselho Nacional Interino (CNI) e o Conselho Militar (CM); e entre comandantes militares de altas patentes.
Outro cenário negativo é um governo militar. Muitos dos "oficiais livres" - grupo que planejou o golpe de Estado contra a monarquia em 1969 - estão liderando o CNI. Entre eles, estão o general Abd al-Fattah Younis, general Soliman Mahmoud, coronel Khalifa Haftar e major Mohamed Najm. Esses nomes possuem uma mescla de legitimidade histórica, por terem participado do golpe de 1969, e por terem contribuído na revolução de 17 de fevereiro. Também pertencem a várias das grandes tribos, o que garante ampla representação tribal se um conselho militar tomar o poder, como no Egito.
Uma investida de oficiais das Forças Armadas em Trípoli contra Gadafi e seus filhos poderia acabar com o conflito, com os comandantes militares recebendo o crédito - e o capital político.
Uma ditadura militar de 40 anos, no entanto, pode já ter sido o suficiente para os líbios, que em sua maioria nunca se beneficiaram da riqueza do país. Quando se trata de produzir terroristas e imigrantes sem documentos - assuntos críticos na Europa -, os ditadores militares árabes têm histórico desonroso. A Argélia, nos anos 90, é um forte lembrete disso, e os governos ocidentais não querem ver o reinício do ciclo vicioso de autocratas repressores produzindo teocratas violentos e refugiados.
Ficar "atolado em uma transição" é um terceiro cenário possível, no qual a Líbia ficaria em uma "zona cinzenta" - não seria uma democracia plena nem uma ditadura, mas "semilivre". Isso significa eleições periódicas, uma constituição democrática e uma sociedade civil, combinadas com fraudes eleitorais, representação desequilibrada, violações dos direitos humanos e restrições às liberdades civis. Ficar atolado em transições normalmente destrói o ímpeto por mudanças democráticas, com a corrupção generalizada, instituições estatais fracas e falta de segurança servindo para reforçar o mito do "autocrata justo". O governo de Vladimir Putin na Rússia ilustra esse resultado.
Infelizmente, estudo publicado pelo "Journal of Democracy" mostrou que de cem países considerados "em transição" entre 1970 e 2000, apenas 20 se tornaram totalmente democráticos (por exemplo, Chile, Argentina, Polônia e Taiwan). Cinco caíram em ditaduras brutais (incluindo Uzbequistão, Argélia, Turcomenistão e Belarus), enquanto o restante ficou preso em transições.
Tendo em vista a falta de experiência democrática da Líbia, alguns veem esse cenário como o mais provável na era pós-Gadafi. A Líbia, no entanto, não é o único país que tentou passar de uma ditadura a uma democracia com instituições fracas e identidades tribais fortes. Albânia, Mongólia e Índia passaram, com êxito, por testes mais complicados - e oferecem lições úteis em transições democráticas sob condições desfavoráveis.
O quarto cenário é a divisão do país, com a antiga configuração no estilo otomano, de três províncias, sendo mencionada: Cirenaica (leste), Fezã (sul) e Tripolitânia (oeste). A Cirenaica está livre de Gadafi, a Tripolitãnia, não, e Fezã não se juntou integralmente à revolução. As fronteiras administrativas desses distritos, no entanto, nunca foram totalmente estabelecidas e mudaram pelo menos oito vezes desde 1951. Em 2007, a Líbia tinha 22 "sha'biya" (distritos administrativos), não três.
Todos esses cenários serão afetados pelos resultados no Egito e Tunísia. No caso das transições democráticas, êxitos nas proximidades muitas vezes ajudam em casa. Um desses países ou ambos poderiam proporcionar modelos de transição bem-sucedidos para a Líbia, criando um obstáculo importante à ditadura militar ou guerra civil.
Omar Ashour é diretor do Programa de Estudos de Graduação sobre Oriente Médio, no Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos da University of Exeter. É autor de "The De-Radicalization of Jihadists: Transforming Armed Islamist Movements" (a desradicalização dos jihadistas: a transformação de movimentos islâmicos armados, em inglês) Copyright: Project Syndicate, 2011.
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