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Pescadores do Japão observam dezenas de águas-vivas recolhidas no litoral do país: decepção e prejuízos de milhares de dólares com descontrole ambiental |
"O futuro será um mar de gelatina". A piada entre biólogos marinhos reunidos recentemente em um congresso científico na Argentina ecoa no Brasil, na China, no Japão, no sul da África e também nos EUA, no México e nos países da Europa Central. Seus mares enfrentam uma proliferação de medusas - o nome pomposo das águas-vivas - que ameaçam ainda mais os estoques mundiais de peixes, o turismo e a infraestrutura marinha.
Nas últimas duas décadas, a população desses animais aquáticos cresceu em progressão geométrica. No gelado Mar Amarelo, que banha o leste da China e o oeste das Coreias do Sul e do Norte, o volume de águas-vivas capturadas em rede subiu dez vezes em trinta anos. A gigantesca Nomura (Nemopilema nomuraida), cujo peso pode chegar a 200 quilos, voltou a ser vista no Mar do Japão após aparições raríssimas no século 20 (três ao longo dos cem anos). Desde 2002, o número de medusas em águas japoneses subiu seis vezes. Em 2005, um ano particularmente ruim, os prejuízos com redes perdidas foi de 30 bilhões de ienes (US$ 359 milhões atuais). Quando não são queimadas pela ação desses animais, as redes tornam-se pesadas demais para que as embarcações se deem ao luxo de içá-las.
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A gigantesca Nomura, que pesa até 200 quilos, voltou a aparecer na Ásia: em 100 anos, só tinha sido vista três vezes |
O crescimento fora da curva das águas-vivas tem criado problemas também para a indústria de turismo - sim, morrem mais pessoas por ano queimadas por águas-vivas que em ataques de tubarão - e para a infraestrutura marinha. Em 2008, a usina nuclear Diablo Canyon, na Califórnia, teve as operações afetadas depois que centenas de medusas do tamanho de bolas de basquete entupiram os dutos de um de seus reatores. Um ano antes, a população filipina temeu um golpe de Estado quando as luzes de Manila se apagaram. Novamente, foram as medusas, 50 caminhões delas, que obstruíram um canal de água da hidrelétrica da capital.
Apesar das pesquisas e de três simpósios internacionais dedicados exclusivamente ao tema, os especialistas parecem longe do consenso sobre o que está provocando essa alteração nos mares. A única certeza é que se o ritmo de expansão desses animais não diminuir, será apenas uma questão de tempo para que ultrapassem os estoques de peixes de água salgada, como já foi detectado na Namíbia.
Um caldeirão de suspeitas é investigado, "mas a verdade é que até hoje não sabemos exatamente o que regula essas explosões populacionais", afirma Antonio Carlos Marques, professor da área de zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).
A teoria mais forte é o desequilíbrio ambiental. Décadas de sobrepesca retiraram de cena os grandes peixes, predadores naturais da água-viva. Caso do atum no Japão, onde a expansão de medusas, coincidência ou não, é mais evidente.
Com o caminho livre, as medusas passaram a viver mais e a se multiplicar mais. Mas a quebra na cadeia alimentar provoca outro impacto negativo: mais águas-vivas nos oceanos implica menos ovos de peixes ou peixes pequenos, dos quais se alimentam, o que impede que uma nova geração se forme. E para especialistas como o cientista chinês Sun Song, quando um ecossistema for dominado por medusas, os peixes desaparecerão.
"E isso já aconteceu", afirma Marques. "Ao longo dos anos 80 e 90, a explosão de águas-vivas no Mar Cáspio levou à bancarrota a indústria pesqueira de anchovas".
A emissão de efluentes agrícolas nos mares também pode estar relacionada ao problema. Isso porque esses nutrientes tendem a elevar a concentração de fitoplâncton - comunidade de pequenos vegetais que vivem em suspensão nas águas -, fornecendo nova fonte de alimentação às águas-vivas. As pesquisas também estão sendo direcionadas para compreender o real reflexo de oceanos mais quentes, causados pelas mudanças do clima, nesse fenômeno marinho.
Na semana passada, a China criou um programa de investigação envolvendo governo e academia para, no período de cinco anos, monitorar as águas do Mar Amarelo e da costa leste do país. Dados da FAO, a agência para alimentação e agricultura das Nações Unidas, apontam que os estoques de medusas da China subiram mais de dez vezes entre 1970 e 2000, para 500 mil toneladas.
O que intriga a comunidade científica chinesa é se as prospecções de petróleo na costa do país estariam contribuindo para esse quadro. É que as plataformas metálicas nos oceanos servem de base para os pólipos, a fase larval da medusa, se fixarem. Cada pólipo é capaz de gerar centenas de águas-vidas. "Os pólipos só se fixam em substratos duros, e a maior parte do solo marinho é mole", explica Marques, da USP. "Assim, as plataformas de petróleo são locais ideais para esses organismos".
A espécie Phyllorhiza punctata, comum no Nordeste brasileiro, apareceu no Golfo do México anos atrás e os cientistas suspeitam que seus pólipos foram transportados em plataformas de petróleo. Nesse sentido, é bem possível que a explosão de medusas ocorra no Brasil, dadas às prospecções cada vez mais avançadas da Petrobras.
Por enquanto, o país foi preservado de prejuízos econômicos de grande porte, com registros pontuais de turistas que se afugentam das praias do Sul e Sudeste em tempos de surtos das chamadas caravelas-do-mar, no verão.
O monitoramento mundial das medusas pretende compreender o fenômeno para contribuir com a correção desse desequilíbrio dos oceanos. O "mar de gelatina" pode até ter virado uma piada, mas o problema é sério.
Bettina Barros - São Paulo - 17/02/2011
Nouvelle cuisine?
A alta significativa do número de medusas, tendência que ocorre à medida em que os estoques mundiais de peixes desaparecem dos oceanos, fez com que alguns cientistas ocidentais iniciassem pesquisas sobre possíveis formas de consumo dessas espécies. Em países da Ásia, as águas-vivas há décadas fazem parte da culinária local. Segundo o relatório mais recente da FAO, a Agência para Alimentação e Agricultura da ONU, de 2000, China, Indonésia, Malásia e Tailândia são os maiores consumidores de medusas. EUA, Reino Unido e Turquia completam a lista, embora com volumes menores. Na Argentina, os cientistas Hermes Mianzan e Agustin Schiariti, do Instituto Nacional de Investigación y Desarrollo Pesquero, de Buenos Aires, fizeram experiências iniciais, mas emperraram no beneficiamento do produto. Eles testaram processos de secagem e salgagem dos "filés" de medusas. Depois, submeteram o resultado a gourmets japoneses do país que julgaram que a qualidade do produto ainda não era a ideal. Os cientistas interromperam as pesquisas temporariamente, embora tenham a tecnologia dominada e acreditem que nem tudo foi perdido: talvez os filés de medusas tenham aceitação na China e Coreia do Sul. Já para o Japão, o processo de beneficiamento ainda teria de ser melhorado. (BB)
Valoronline - Agronegocios - Nouvelle Cuisine
Um consórcio de 21 pesquisadores da América do Sul finaliza o primeiro e mais detalhado estudo científico de águas-vivas nos oceanos que banham o continente - o Atlântico Sul e o Pacífico Sul.
Iniciado em 2005, o projeto tem como objetivo criar uma rede de estudos do plâncton gelatinoso para entender questões básicas sobre esses animais, como a sua distribuição geográfica, a variedade de espécies e, finalmente, por qual motivo as populações aumentam.
"Não conheço um projeto com essa envergadura em termos mundiais", diz Antonio Carlos Marques, professor da área de zoologia do Instituto de Biociências da USP e coordenador do projeto. "Não temos programas de monitoramento para saber com certeza se há ou se houve explosões de populações de medusas no Brasil", diz ele.
Com financiamento de R$ 1 milhão do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o projeto está em fase final de compilação de dados.
Ao longo desses anos, os cientistas realizaram 113 coletas em pontos da costa sul-americana e identificaram 679 espécies, inclusive a Blackfordia virginica, uma água-viva invasora trazida para a região através das águas de lastro de navios. "Essa medusa teve uma explosão populacional no estuário de Paranaguá. Mas assim como apareceu, desapareceu", diz Marques, lembrando o quanto falta para entender os ciclos desses animais.
Os cientistas só conseguiram detectar a espécie invasora porque monitoraram três portos brasileiros - São Sebastião (SP), Paranaguá (PR) e Pecém (CE). "Nada indica que ela não possa voltar".
Com a conclusão do estudo prevista para as próximas semanas, o consórcio se prepara para a segunda fase - a pesquisa temática da Fapesp, na qual grandes questões são trabalhadas. "O projeto inicial se propôs a responder algumas questões, mas abriu outras". (BB)
Valoronline - Agronegocios - Medusas da América do Sul
Medusas da América do Sul
são alvo de estudos
Um consórcio de 21 pesquisadores da América do Sul finaliza o primeiro e mais detalhado estudo científico de águas-vivas nos oceanos que banham o continente - o Atlântico Sul e o Pacífico Sul.
Iniciado em 2005, o projeto tem como objetivo criar uma rede de estudos do plâncton gelatinoso para entender questões básicas sobre esses animais, como a sua distribuição geográfica, a variedade de espécies e, finalmente, por qual motivo as populações aumentam.
"Não conheço um projeto com essa envergadura em termos mundiais", diz Antonio Carlos Marques, professor da área de zoologia do Instituto de Biociências da USP e coordenador do projeto. "Não temos programas de monitoramento para saber com certeza se há ou se houve explosões de populações de medusas no Brasil", diz ele.
Com financiamento de R$ 1 milhão do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o projeto está em fase final de compilação de dados.
Ao longo desses anos, os cientistas realizaram 113 coletas em pontos da costa sul-americana e identificaram 679 espécies, inclusive a Blackfordia virginica, uma água-viva invasora trazida para a região através das águas de lastro de navios. "Essa medusa teve uma explosão populacional no estuário de Paranaguá. Mas assim como apareceu, desapareceu", diz Marques, lembrando o quanto falta para entender os ciclos desses animais.
Os cientistas só conseguiram detectar a espécie invasora porque monitoraram três portos brasileiros - São Sebastião (SP), Paranaguá (PR) e Pecém (CE). "Nada indica que ela não possa voltar".
Com a conclusão do estudo prevista para as próximas semanas, o consórcio se prepara para a segunda fase - a pesquisa temática da Fapesp, na qual grandes questões são trabalhadas. "O projeto inicial se propôs a responder algumas questões, mas abriu outras". (BB)
Valoronline - Agronegocios - Medusas da América do Sul
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