sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Por que duvidamos do que diz o marqueteiro

Ponto e Vírgula: Campanhas eleitorais enganosas levam todos os políticos ao descrédito. Para o bem da democracia, é preciso lembrar sempre o que é o comportamento correto.

Por que duvidamos do que diz o marqueteiro

Por Eliana Cardoso
De São Paulo - 29/10/2010                                                                                   Pepe Casals
Não sei se você já foi vítima de pequenos golpes. Eu já. Já me venderam gato por lebre mais de uma vez. No ano passado, o vendedor de uma grande rede varejista embutiu no preço da geladeira um contrato de seguro de vida que eu não queria. O contrato deveria favorecer minha mãe (que já morreu há muitos anos). O absurdo era tão flagrante que não tive problemas em anular a compra. Mas a fraude me custou tempo e bom humor.

No mesmo ano fatídico comprei um software antivírus. A única forma de efetuar a compra era com renovação automática no ano seguinte, mas o site da empresa prometia o cancelamento da renovação. Logo descobri, porém, que o cancelamento exigiria a disposição de perder vários dias na tentativa de fazê-lo.

Se empresas de renome são capazes de comportamento mesquinho e desonesto, o que pensar das empresas não conhecidas no mercado?

Professor de psicologia e economia comportamental na Universidade de Duke, Dan Ariely propõe o seguinte experimento. Imagine que ele distribua R$ 100 a cada um de quatro conhecidos - Augusto, Bernardo, Pedro e João -, e lhes ofereça também a oportunidade de ganhar mais dinheiro. Cada um é convidado a colocar os R$ 100 ou uma parcela dessa quantia num pote comum. O que cada um, em segredo, colocar no pote, será duplicado e distribuído entre os participantes. Se todos colocassem $ 100, o grupo dobraria os R$ 400 iniciais. Cada um dos participantes terminaria o jogo com R$ 200. Mas imagine que Bernardo decida não colocar seus R$100 no pote comum e os outros três o façam. Agora, os R$ 300 colocados no pote viram R$ 600 e cada participante recebe R$ 150. Bernardo, que não colocara seus R$ 100 no pote, termina o jogo com R$ 250 (os R$ 100 iniciais mais R$ 150 que cada um recebeu). Se o jogo se repete, Augusto, Pedro e João passarão a agir com desconfiança e deixarão de colocar todo o seu dinheiro no pote comum. Com isso, todos sairão perdendo, quando poderiam ter ganhado o dobro do presente inicial.

Quando uma empresa engana os consumidores, eles passam a desconfiar de todas as outras. Mas suspeito que as empresas ignoram que a confiança é um bem público: a perda de confiança numa delas tem consequências para toda a sociedade. Algumas empresas ruins são suficientes para solapar a confiança no mercado. E, uma vez destruída a confiança, é muito difícil restaurá-la.

A erosão da confiança é infecciosa. Em "A Peste", Albert Camus (escritor francês e prêmio Nobel de literatura em 1957) convida o leitor a considerar a facilidade com que uma comunidade pode ser infestada por um bacilo ideológico, ou, no caso em questão nesta coluna, pela falta de confiança que destrói os elos sociais.

O romance se passa em Oran, pequena cidade da Argélia que vive a rotina monótona, onde, "como no resto do mundo, por falta de tempo ou reflexão, somos obrigados a amar sem saber". A normalidade cai por terra quando os ratos agonizam e a peste bubônica alcança os moradores. O estranhamento inicial logo se transforma em horror. A epidemia lança os personagens na roleta russa do descompasso entre a busca da felicidade e a solidão do odor sufocante dos cadáveres.

Alguns críticos leem "A Peste" sob a perspectiva da resistência política e outros, como uma reflexão sobre a morte. Aqui nos interessa chamar a atenção para o fato de que, assim como a epidemia violenta e incontrolável pode destruir a sociedade, o veneno invisível e mortal da falta de confiança erode as instituições sobre as quais se assenta a democracia capitalista.

A desconfiança nos políticos também é como uma epidemia. O político desonesto que espalha imagem e promessas falsas com a ajuda de seus marqueteiros aumenta nossa desconfiança em relação a todos os políticos. E uma vez comprometida, é difícil recuperar a confiança.

Com certeza, o poder dos marqueteiros é limitado. Afinal, nascemos com a habilidade de ler expressões faciais e distinguir o sorriso bem treinado do sorriso espontâneo e a palavra enganosamente gentil da palavra sincera. Por outro lado, a maioria das pessoas só sabe o que quer quando vê o sujeito ou objeto em contexto. Usar o contexto adequado dá à propaganda enorme poder de persuasão.

No mundo ideal, o cidadão pode punir o político corrupto recusando-se a votar nele. No mundo real, a cobrança é limitada por três imperfeições do mercado eleitoral. A informação demora a penetrar os símbolos absorvidos por boa parte dos eleitores. Muitos não acreditam que os partidos e os políticos são de fato diferentes uns dos outros. Existe polarização entre alguns grupos que não votariam no partido do grupo antagônico, mesmo que o considerassem menos corrupto.

Mas sem política não existe vida civilizada. Salvá-la da desmoralização exige o castigo dos culpados. Como, no entanto, punir os culpados e evitar a desmoralização da política se todos os partidos centram suas campanhas eleitorais em temas religiosos e escândalos, falseiam a evidência e se recusam à discussão substantiva sobre os rumos da política econômica?

A vida civilizada exige também uma sociedade menos permissiva. É fato que, ao lado dos escândalos nas primeiras páginas dos jornais, todos os dias cidadãos comuns cometem pequenas fraudes que passam despercebidas. Há pequenos furtos de objetos no local de trabalho e pequenos e grandes desvios nos pagamentos de impostos.

Determinado a entender quão prevalentes são as pequenas desonestidades, o professor Dan Ariely montou um experimento controlado entre alunos do MIT, Princeton e Yale. E constatou que, quando tinham oportunidade de trapacear, eles o faziam. Verificou também, para sua surpresa, que a tendência a trapacear não estava ligada ao risco. E ainda mais surpreendente é que o deslize cometido pelo aluno que sabia que a destruição das provas eliminava qualquer risco de ser pego com a boca na botija era do mesmo tamanho do deslize entre os alunos que corriam o perigo de serem flagrados em falta. Ariely verificou ainda que a tendência a trapacear caía quando os estudantes eram alertados para o comportamento correto. E chegou a conclusões importantes. As pessoas de fato se importam com a honestidade, mas nosso monitor interno soa o alarme apenas diante de transgressões grandes - como levar para casa todo o estoque de canetas do escritório -, mas não diante da transgressão menor de levar só uma ou duas delas. Por isso ele acredita que as pessoas devem ser constantemente lembradas do que é o comportamento correto. Como diria Camus: "Não espere pelo Julgamento Final. Ele acontece todos os dias".

As pesquisas e experimentos de Dan Ariely estão no "Predictably Irrational" (Harper Perennial, 2010). Ariely escreveu o livro para popularizar avanços da economia comportamental, um campo de investigação que fica na fronteira da psicologia e da economia. A economia comportamental é relativamente nova e permite explicar por que somos incapazes de poupar para a aposentadoria ou de pensar de forma clara quando sexualmente excitados.

Dan Ariely é um grande narrador, capaz de transmitir o rigor de suas experiências criativas com humor, sem esquecer as cores variadas dos detalhes relevantes. O livro foi um best-seller nos EUA em 2008 e volta em nova edição com o aval de quatro premiados com o Nobel de economia: George Akerlof, Kenneth Arrow, Daniel Kahneman e Daniel McFadden.

Em contraste com "Freakonomics", que argumentava que as pessoas respondem a incentivos de maneira racional, "Predictably Irrational" mostra como muitos de nossos comportamentos são profundamente irracionais. Mas como muito da nossa irracionalidade é previsível, a pesquisa de Dan Ariely também ensina como corrigir erros comuns.

Eliana Cardoso, economista, escreve semanalmente neste espaço.



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