Morte de Garner
foi filmada. Nós o vimos sendo sufocado e testemunhamos que não houve tentativa
de reanimá-lo
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Indignação.
Manifestantes protestam contra decisão de grande júri que resolveu
não indiciar
policial acusado de matar negro de meia idade, em Nova York - NYT -03-12-2014
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Essas foram as
últimas palavras de Eric Garner, e hoje elas se aplicam a mim. A decisão do
grande júri de Staten Island para não indiciar o policial que o matou cortou a
minha respiração.
Na deprimente
série da vida real que deveria ser chamada de “Onde os negros não têm vez,”
esta deturpada conspiração é chocante e inacreditável. Deveria ter havido uma
acusação no caso Ferguson, na minha opinião, mas havia, no mínimo, divergências
sobre os eventos que levaram à morte de Michael Brown. O homicídio de Garner
foi filmado. Nós o vimos sendo sufocado, o ouvimos gritar, e testemunhamos que
não houve tentativa alguma de reanimá-lo.
Desta vez havia
literalmente milhões de testemunhas oculares. Alguém me diga, apenas
teoricamente, quantas são necessárias? Existe algum número que seria
suficiente? Ou “todos os cidadãos são iguais perante a lei” é só uma piada
cruel?
Homens
afro-americanos estão aprendendo uma lição de como esta sociedade valoriza — ou
desvaloriza — nossas vidas. Eu sempre disse que a noção de que o racismo é uma
coisa do passado era um absurdo — e que aqueles que abraçavam o mito
“pós-racial” eram ingênuos ou hipócritas. Agora se vê o porquê.
Garner, de 43
anos, era um afro-americano. No dia 17 de julho, ele supostamente cometeu o
crime hediondo de vender cigarros avulsos na rua. Um grupo de policiais da
cidade de Nova York se aproximou e o cercou. Ele era um homem grande, mas em
nenhum momento ele atacou os oficiais ou mostrou desrespeito. Mas não assumiu
uma postura submissa tão rapidamente quanto os policiais queriam. O oficial
Daniel Pantaleo começou o estrangulamento, comprimindo a traqueia — uma forma
de imobilizar suspeitos que o Departamento de Polícia de Nova York baniu há
duas décadas. Garner reclamou que estava com dificuldade para respirar. Os
oficiais lutaram com ele na calçada, onde morreu. Uma equipe médica de
emergência foi chamada, mas os policiais não fizeram nenhuma tentativa imediata
para ressuscitá-lo.
O médico legista
determinou que a morte de Garner foi homicídio. Ele sofria de asma, e a gravata
de Pantaleo o matou. O procurador de Staten Island apresentou provas contra
Pantaleo. Na quarta-feira, foi anunciado que o grande júri se negou a indiciar
Pantaleo sob qualquer acusação.
Existem dois
grandes problemas aqui. Um deles envolve a licença excessiva que nós agora
damos para a polícia — permissão, essencialmente, para fazer qualquer coisa, a
fim de garantir a segurança nas ruas. O pêndulo oscilou no sentido da lei e da
ordem, em detrimento da liberdade e da justiça.
Estamos tão
acostumados com tiros letais de policiais que nós nem sequer fazemos mais
esforço para contá-los; o caso Michael Brown ilustrou isso, o uso da força
letal. A morte de Garner é parte de uma tendência diferente: a teoria da
polícia de “janelas quebradas”, aquela segundo a qual reprimir crimes menores —
como a venda de cigarros nas ruas — é fundamental para reduzir crimes graves.
Os agentes da
polícia devem supostamente servir às comunidades, e não governá-las.
Outro grande
problema, inevitavelmente, é a raça. O mais inaceitável nos dois casos é que os
grandes júris examinaram as provas e decidiram que não havia causa provável — o
que exige um nível muito baixo de provas — para acreditar que os oficiais
fizeram algo de errado. Acho que é impossível acreditar que o resultado seria o
mesmo se as vítimas fossem brancas.
Garner nem
sequer se encaixa na categoria “jovem negro”, que define os cidadãos mais
temidos e odiados desta nação. Ele era um homem com excesso de peso, de
meia-idade e asmático. Agora, nos dizem que quem o matou não fez nada errado.
Eric Garner
estava envolvido em uma atividade que justificava não mais do que uma
advertência. Mas eu reconheço que ele também cometeu um crime capital: ele
tinha a cor errada.
Autor: Eugene
Robinson
Fonte: WashingtonPost / O Globo
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