Turistas de diferentes países
estão no Brasil para acompanhar os jogos da Copa do Mundo de Futebol da FIFA
2014. Até o momento, o evento tem sido um sucesso de público e crítica, com
jogos empolgantes e zebras como a eliminação de três seleções campeãs mundiais,
como foi o caso de Espanha, Itália e Inglaterra ainda na fase de classificação.
Enfatizando ainda mais a importância que o esporte vem ganhando – e não apenas
o futebol – em 2016, o Rio de Janeiro será a cidade-sede dos Jogos Olímpicos. O
tema também chama a atenção de pesquisadores. Entre eles, Rafael Fortes,
professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e Victor
Andrade de Melo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que
organizaram o livro Comunicação e Esporte: reflexões a partir do cinema,
editado com apoio do programa Auxílio à Editoração (APQ 3), da FAPERJ, focando
num aspecto ainda pouco abordado: a associação entre esportes e cinema.
![]() |
O filme Fábio Fabuloso apresenta de uma forma criativa um dos primeiros grandes surfistas do país, o nordestino Fábio Gouveia |
"Poucos estudos têm essa
relação como tema", fala Fortes. Lançado no começo de junho, o livro
analisa a presença do esporte no cinema não apenas no Brasil, mas também em
vários países, em artigos escritos por diferentes pesquisadores. O livro se
divide em duas partes. A primeira apresenta, em quatro artigos, as relações
entre esporte e cultura juvenil, numa análise de filmes sobre surfe e skate.
Nos três primeiros, os organizadores explicam como o surfe mostra as
transformações que a juventude brasileira passou entre as décadas de 1960 e
1990. Já o quarto artigo fala sobre como o skate revela uma série de códigos
sociais da juventude americana, cada vez mais exportada para o mundo todo.
![]() |
Em Belarmino, decadência de pugilista serve de metáfora para falar sobre a ditadura nos anos de 1960 em Portugal |
Escrito pelos dois organizadores,
um dos primeiros artigos apresenta o surfe na década de 1990 no Brasil
, em
filmes como Fábio Fabuloso, Surf Adventures e Manobra Radical. "Vale
destacar que, na época, já havia a profissionalização do surfe no país, com
atletas ganhando destaque em competições internacionais e competindo, com diversos
patrocínios. Foi o auge da revista Fluir, que abordava o tema, e quando
importantes emissoras de rádio, como a Cidade e a extinta Fluminense FM,
patrocinavam eventos pelo País e divulgavam os estilos musicais mais ouvidos
pelos surfistas, como rock, surf music e reggae", lembra Fortes.
"Enquanto Surf Adventures e Manobra Radical mostravam a cultura e o sonho
dos jovens de se tornarem surfistas profissionais, Fábio Fabuloso exibia de
maneira criativa um dos primeiros grandes surfistas brasileiros, o nordestino
Fábio Gouveia. O filme ainda mostra a cultura daquela região do País, usando a
linguagem de cordel para narrar essa história", complementa.
Outro artigo, escrito em conjunto
com o Victor e com o historiador Cleber Dias, fala sobre o filme Garota de
Ipanema (1967), de Léon Hirzman. Segundo o texto do artigo, "o filme foi o
primeiro longa-metragem do Cinema Novo em cores e com características de
musical". Também enfocava o mundo da classe média de Ipanema, afastando-se
do universo popular e suburbano que era comum ao movimento. Essa mistura de
linguagens de vanguarda e comercial não alcançou o resultado esperado, sendo
considerada uma obra menor na trajetória do cineasta. Influenciado pelo
neorrealismo italiano e sob o slogan "uma câmera na mão e uma ideia na
cabeça", o Cinema Novo foi um movimento que rompia com a grande indústria
cinematográfica e apresentava um cinema mais crítico, voltado a discutir a
realidade do país.
![]() |
Heleno: cinebiografia mostra ídolo do futebol já aposentado e decadente, com o sucesso nos gramados no passado |
A segunda parte do livro, que
também traz quatro artigos, debate as relações entre esporte, política e memória na sociedade. Enquanto
Victor Melo escreve sobre como um filme sobre boxe em Portugal pode servir de
metáfora para falar de uma nação, Cleber Dias fala sobre o pingue-pongue na
Mongólia. "Belarmino (1964), dirigido pelo cineasta português Fernando
Lopes, ligado ao Cinema Novo português – movimento que surgiu na mesma época
que o Cinema Novo brasileiro, como o qual guardava semelhanças –, acompanha a
decadência de um promissor pugilista português e serve como metáfora para falar
da decadência de Lisboa, numa época em que Portugal vivia sob a ditadura
militar de Salazar", explica Victor Melo.
Em Pingue-pongue da Mongólia, as aventuras do personagem principal da
história, Bilike, deflagradas pela descoberta de uma bola de pingue-pongue,
servem de pretexto para exibir o drama entre tradição e modernidade vividos
atualmente naquele país. "Nos dois casos, destacamos como o cinema, por
meio do esporte, nos permite conhecer e analisar a realidade de culturas diferentes", afirma Fortes. Ele ainda
traça alguns paralelos com o filme Garrincha, a alegria do povo (1963), de
Joaquim Pedro de Andrade, outro cineasta do Cinema Novo brasileiro e o já
citado Belarmino. "Enquanto o filme brasileiro fala sobre o auge e o
declínio do grande jogador brasileiro, a película portuguesa faz uma metáfora
da decadência em que vivia Portugal. A película brasileira também procura
mostrar as tensões de um país que vivia um regime democrático em crise e que,
um ano depois, em 1964, veria o início de uma ditadura", complementa.
E justo no país do futebol, são
os dois últimos artigos, escritos por Luis Carlos R. de Sant’Ana e Ana Maria
Acker, respectivamente, que falam sobre o tema. A paixão pelos times, segundo a
ótica de O corintiano, dirigido por Mazzaropi, é tema de Luis Carlos Sant' Ana.
Nele, merece atenção o fato de que mesmo um astro de comédia dos anos de 1960,
considerado alienado num país que vivia em plena ditadura, consegue abordar de
maneira cômica, sutil e comercial o ambiente político da época, pela ótica de
um torcedor fanático", explica Rafael Fortes. "Já Ana Maria Acker
fala sobre Garrincha, Estrela Solitária e Heleno. Os dois filmes têm em comum o
fato de ser sobre grandes ídolos do Botafogo, feitos a partir de biografias e
por isso é importante analisarmos como eles são apresentados ao
espectador", explica. Segundo o artigo "Craques nas telas: reflexões
sobre os filmes Garrinha, Estrela Solitária e Heleno", ao contrário das
biografias escritas, as cinebiografias raramente tentam cobrir toda uma vida.
Nos dois filmes, não há referências, por exemplo, à infância dos atletas. Os
dribles, gols e o espetáculo nos gramados ficam em segundo plano. Ambas partem
da fase final da vida dos jogadores, já aposentados e doentes, para daí
contarem sua história. A tendência maior é a da crítica, o que torna Heleno e
Garrincha personagens tristes de épocas importantes do futebol brasileiro. Mas
a história do que ambos fizeram em campo mostra que eles não foram apenas isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário