Preparem-se para curtir a próxima depressão. Não é isso que o Banco de Compensações Internacionais (BIS) diz sobre os Estados Unidos e outras economias muito endividadas, mas é o que seu relatório anual mais recente dá a entender. Admirei os alertas sobre os excessos monetários e financeiros que o BIS emitiu sob o comando de William White, seu ex-consultor econômico. Respeito seu sucessor, Stephen Cecchetti, mas discordo da essência do último relatório. O informe subestima os obstáculos à austeridade generalizada.
Persistir com a política acomodatícia fiscal e monetária é desconfortável, mas tempos incomuns exigem políticas incomuns. O que torna os tempos incomuns? A resposta é que várias economias encontram-se no que o Jerome Levy Forecasting Center chama de "depressão contida" - um período de desalavancagem prolongada do setor privado.
De forma implícita, o informe do BIS rejeita essa visão. Argumenta a favor de um aperto monetário e fiscal por todo o mundo. O argumento apoia-se sobre duas crenças. A primeira, de que a economia mundial está próxima a sua capacidade total. A segunda é a de que "resolver o excesso de endividamento, tanto privado como público, é chave para construir uma fundação sólida para um sistema financeiro estável e um crescimento elevado, real e equilibrado". "Isso significa impulsionar a poupança privada e adotar ações substanciais agora para reduzir os déficits nos países que estiveram no centro da crise."
Considerem, primeiro, a política monetária. Suponham que tivéssemos um banco central com metas de inflação para o mundo. Como reagiria à elevação das commodities quando as expectativas inflacionárias estão sob controle? Tal banco reconheceria que se trata de uma mudança nos preços relativos, que reduz a capacidade e os salários reais. Não saberia se se trata de uma tendência duradoura ou de um caso isolado. Tentaria evitar a alta das expectativas inflacionárias ou uma "espiral salários-preços". Porém, será que também tentaria reduzir o aumento nos salários nominais, para compensar o impacto inflacionário da alta das commodities, mesmo se isso significasse uma desaceleração significativa? Acho que não. Se tentasse, transmitiria instabilidade à economia real, como resposta a movimentos erráticos e imprevisíveis de preços das commodities.
Na prática, não apenas inexiste um banco central mundial, como as condições inflacionárias são divergentes. Nos países de alta renda, a inflação está razoavelmente sob controle. Em muitos países emergentes dispara para cima, em parte porque consomem commodities mais intensamente, em parte porque suas economias expandem-se com mais força.
A política monetária adequada também seria diferente. Isso, felizmente, é justamente o que nosso mundo permite: os países emergentes deveriam promover um aperto; e os países de alta renda deveriam promover um aperto mais lentamente. É isso o que vem ocorrendo, mas não de forma suficiente, porque muitos países emergentes estão desesperados para evitar a valorização de suas moedas.
O que os países de alta renda deveriam fazer? Quanto a isso, o relatório do BIS cumpre a tarefa de sinalização: demonstra que a histeria quanto ao impacto de balanços patrimoniais maiores nos bancos centrais é injustificada. Argumenta, no entanto, que a ociosidade na economia desapareceu. Que isso seja verdade para os países emergentes, parece algo plausível. O BIS também aponta para o erro cometido nos anos 70, quando o impacto do choque nos preços do petróleo sobre a capacidade foi subestimado. Argumenta que hoje, também, o volume de capacidade ociosa é superestimado. O custo unitário do trabalho e as expectativas, no entanto, estão muito mais sob controle do que na época. Agora, diria eu, é o momento em que os bancos centrais deveriam usar sua credibilidade. Eles precisam vigiar as expectativas inflacionárias, mas não precisam agir de forma preventiva.
Voltem-se, agora, para a questão ainda mais debatida da política fiscal. Minha questão é: será que o BIS sabe que todos os setores não podem ter superávits financeiros ao mesmo tempo?
Poucos duvidam que há endividamento excessivo do setor privado em vários países de alta renda, mas como reduzi-lo? O BIS ressalta quatro respostas: pagamento das dívidas; inadimplência; rendas reais maiores; e inflação. Vamos descartar a última e focar-nos na primeira. Pagar dívidas significa gastar abaixo de sua renda. É o que vem acontecendo no setor privado dos EUA. As famílias tinham um déficit financeiro (gastos superiores à renda) de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre de 2005. Isso passou a um superávit de 3,3% no primeiro trimestre de 2011. O setor empresarial também exibe um superávit, modesto. Como os EUA têm déficit em conta corrente, o resto do mundo, por definição, está gastando abaixo de sua renda. Quem está do lado oposto? Resposta: é o governo. Isso é o que uma depressão controlada significa: todos os setores, com exceção do governo, tentam fortalecer seu balanço patrimonial ao mesmo tempo.
O BIS insiste que isso não é bom o suficiente: países altamente alavancados estão com déficits fiscais estruturais, que precisam ser eliminados o mais breve possível. Faz sentido, mas onde ocorrerão os ajustes de compensação?
A evidência sugere que os superávits estrangeiros são estruturais ou, no mínimo, altamente persistentes. Tendo em vista o excesso de dívidas, os superávits das famílias provavelmente também serão prolongados. Uma grande redução nesses déficits fiscais, portanto, provavelmente exige, como contrapeso, a redução nos superávits financeiros do setor empresarial. Isso pode ocorrer de duas formas: por meio do aumento nos investimentos das empresas ou da redução nos lucros retidos.
O BIS está certo: a normalização da política fiscal e monetária é necessária. É impossível, no entanto, eliminar déficits fiscais estruturais até que se complete o ajuste estrutural do setor privado ou até que vejamos grandes mudanças nos equilíbrios externos. É impossível, por fim, que esse ajuste externo ocorra sem grandes mudanças nas economias superavitárias.
O BIS defende a desalavancagem simultânea, pública e privada. Mas quais seriam os contrapesos? Eis a questão. O BIS não dá uma resposta convincente.
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT
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