O mundo continua a enfrentar as consequências da crise financeira de 2007/09, criada pelas extravagâncias das "inovações" financeiras que se transformaram em "armas de destruição em massa" sob os olhos complacentes dos Bancos Centrais. Hoje, temos a confissão que sabiam, ainda menos do que os criadores, da sua potencialidade destrutiva. Tal tolerância não foi apenas um sentimento altruísta de dar casa a quem não tinha condições de comprá-la, mas por honesta ignorância (do verbo ignorar = desconhecer por não ter a experiência, a prática de alguma coisa, segundo o "Houaiss").
Têm também alguma culpa no cartório os ridículos modelitos "acadêmicos" de três equações que pareciam "explicar" a grande moderação vivida entre 2002 e 2007, através de uma econometria de pé quebrado. Basta lembrar que eles "ignoravam" (agora do verbo "ignorar" = não saber, do mesmo "Houaiss") o papel do crédito! De fato a "Bíblia" da teoria monetária de última geração (Woodford, M. - "Interest and Prices", 2003) em várias centenas de páginas, não explicita o papel do crédito. Recentemente, entretanto, ensaia um "mea culpa". Em interessantíssimo artigo ("Financial Intermediation and Macroeconomic Analysis", no "The Journal of Economic Perspectives", 24 (4) Fall 2010), Woodford nos informa que "os problemas da estabilidade financeira sempre foram parte do currículo da macroeconomia, mas eles, frequentemente, eram apresentados como de interesse histórico ou relevantes apenas para os mercados emergentes. A recente crise financeira, contudo, deixou claro que mesmo em economias como a dos EUA um colapso da intermediação financeira ainda é uma possibilidade. Compreender tal fenômeno e as possíveis respostas da política econômica requer o uso de uma estrutura ("framework") macroeconômica, na qual a intermediação financeira seja importante na alocação dos recursos".
E continua Woodford: "Neste trabalho discuto porque nem os modelos macroeconômicos tradicionais, que ignoram a intermediação financeira, nem os modelos dos canais do crédito bancário, são adequados para o entendimento da recente crise. Penso que, em lugar deles, necessitamos de modelos nos quais aquela intermediação desempenha um papel crucial e nos quais ela é modelada de uma forma que corresponde melhor às realidades institucionais. Em particular, precisamos de modelos que reconheçam que em um sistema financeiro baseado no mercado - no qual os intermediários obtêm recursos vendendo papéis num mercado competitivo e não recebendo depósitos sujeitos a depósitos compulsórios - não são a mesma coisa que um sistema sem atrito." Ah, bom!
Parece, finalmente, que os "cientistas econômicos" entenderam que a brincadeira da física de supor "um cavalo de aço, redondo e sem atrito" é um péssimo modelo para explicar os movimentos do pobre animal... Um ponto interessante do artigo é a seção sobre as políticas monetárias "não convencionais" (sem abandonar a manobra dos juros) recomendadas pelo novo modelo. Quem tiver interesse pode ver o mesmo em outro trabalho do Vasco Cúrdia e Michael Woodford ("The central-bank balance sheet as na instrument for monetary policy", no "Journal of Monetary Economics", 58, January 2011).
De qualquer forma, os EUA estão ainda distantes de ter encontrado uma política econômica que reanime o seu crescimento sem aumentar o seu endividamento.
O crescimento anualizado do PIB no primeiro trimestre de 2011 parece decepcionante: 1,8% (sem as correções posteriores que sempre acontecem), ante 3,7% no primeiro trimestre de 2010; 1,7% no segundo; 2,6% no terceiro; 3,1% no quarto e, no ano, 2,7%. A decomposição do crescimento do primeiro trimestre de 2010 e de 2011 revela coisas interessantes, como se vê na tabela abaixo.
Vemos que o consumo continua crescendo a uma taxa moderada, o investimento fixo (não residencial e residencial) diminuiu e o consumo e o investimento do governo caíram fortemente. A diferença mais importante foi a redução da variação dos estoques que "explica", basicamente, 85% da queda do crescimento do PIB. Os números sugerem que a recuperação da economia americana está mesmo pendurada no êxito da política monetária executada pelo FED. Ela, entretanto, tem produzido efeitos colaterais muito sérios sobre a economia mundial como um amplo movimento de capitais especulativos sobre o mercado de commodities na busca de maior taxa de retorno e a maior desvalorização do dólar que aumenta o nível e a volatilidade dos preços internacionais.
Até agora, pelo menos, a despeito de alguns sinais aparentemente contraditórios, não parece ser legítimo concluir que a taxa de crescimento do PIB americano em 2011 será muito diferente de 2,5% a 3,0%, que a economia não continue a absorver um número crescente de trabalhadores (o índice de desemprego mede outra coisa) e que a desvalorização do dólar seja muito diferente das que ele enfrentou em outros momentos de dificuldades conjunturais (1985/87, 2002/04 e 2005/08) dos quais ele se recuperou e mostrou a sua tendência de convergir para a média.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
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