Segundo um ditado tibetano, só pode cobrar quem não deve. A sabedoria asiática merece respeito, mesmo quando ela se manifesta no jornal lido numa manhã de domingo.
Mais precisamente, na entrevista ao GLOBO do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Ele reclama contra a falta de investimentos sociais nas favelas cariocas pacificadas nos últimos tempos pela polícia fluminense. Parece estar com inteira razão ao botar a boca no trombone.
O discurso é simples e direto, como costuma acontecer com quem, pelo menos aparentemente, sabe do que está falando. Sua argumentação parece ter o mérito da simplicidade. Quatro anos atrás, quando começou a descascar o pepino da segurança pública no Rio, ele ouviu de empresários e de outros membros da administração estadual uma argumentação obviamente procedente: era impossível melhorar a vida dos favelados cariocas enquanto as comunidades estivessem — e, sem dúvida alguma, estavam mesmo — dominadas pelo crime organizado.
Era um problema de simples formulação, como sabe qualquer jardineiro: não dá para plantar coisa boa em terra ocupada por coisa ruim. O secretário aceitou o argumento e partiu para limpar o terreno. Demorou um pouco — com certeza, entre outros motivos, porque, antes de limpar a cidade, a polícia precisava fazer uma boa faxina interna. Não se fala muito nisso, mas qualquer carioca com memória razoável não esquece, por exemplo, dos casos de corrupção na cúpula da Secretaria de Segurança no governo Garotinho.
Essa fase passou. A estrutura da secretaria passou por uma faxina aparentemente bem-sucedida, que pelo já visto garantiu o nível de eficiência necessário para a limpeza de algumas comunidades faveladas. As Unidades de Polícia Pacificadora funcionam.
Falta a próxima fase. O trabalho policial, por mais eficiente que seja, é apenas parte da missão do Estado e — como diz, em tom de cobrança, o secretário de Segurança — da sociedade. Resumindo: enquanto houver miséria, não há paz social. Combater a bandidagem a ferro e fogo é sempre necessário. Mas não é a solução, e sim apenas a criação de condições para a abertura de uma outra frente de luta: o combate à miséria, à pobreza sem esperanças.
Sem a busca desse objetivo, as favelas serão simplesmente territórios ocupados — o que, obviamente, não pode ser um estado de coisas permanente. Beltrame cobra investimentos sociais. Uma boa parte disso é certamente responsabilidade do Estado. A iniciativa particular, ele admite, está presente em diversas frentes dessa nova guerra. Mas insiste — e não se pode negar que entende do assunto — em que é preciso mais.
Não se descobriu ainda uma forma mágica de liquidar a pobreza. Mas não parece errado alimentar a esperança de minimizar consideravelmente a alimentação do crime e da violência por essa coisa terrível que é a falta de esperança.
Luiz Garcia
O Globo / Opinião - 31/05/2011.
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