quinta-feira, 26 de maio de 2011

Déjà vu de novo?

Estamos mudando a cara da forma de se fazer políticas públicas.

Gostaríamos de pensar que já passamos a pior fase da maior crise dos últimos 70 anos. Ainda assim, os derivativos, um dos culpados centrais do desmoronamento financeiro, continuam a representar dez vezes o Produto Interno Bruto (PIB) mundial, e a conta não para de aumentar. Uma importante aquisição de US$ 8,5 bilhões levou analistas a especular sobre uma nova bolha na internet. Algumas economias emergentes mostram sinais clássicos de sobreaquecimento com os preços imobiliários, crédito ao consumidor e lucros bancários em níveis recorde.

Poderíamos merecer perdão, se nos perguntássemos se aprendemos algo nos últimos anos. Mereceríamos menos perdão se, inconscientemente, estivéssemos preparando o terreno para a próxima queda, sem ninguém soar o alarme.

Se as instituições internacionais fizerem seu trabalho e cumprirem seu objetivo, temos uma boa chance de evitar os erros do passado. A crise trouxe o papel de instituições como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a um foco mais definido. Como nunca antes, estamos coordenando esforços com o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio (OMC) e Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Há muito mais a fazer, no entanto. O G-20, governos, atores da sociedade civil e cidadãos de todo o mundo agora têm mais expectativas em relação a nós. Desde a fundação da OCDE, há 50 anos, a instituição oferece um fórum único, em que líderes e autoridades se reúnem para discutir quais políticas funcionam e quais não. Temos um histórico sólido de libertar as pessoas das ruínas sociais e econômicas, começando o Plano Marshall, na sequência da Segunda Guerra Mundial. Auxiliar governos e países a entender a interdependência de suas economias e sociedades abriu o caminho para uma nova era de cooperação.

Ao enfrentar a recente crise, mostramos alguns resultados concretos: acabamos com paraísos fiscais mundiais, para que contribuintes e arrecadadores estejam seguros de que todos estamos contribuindo para limpar a bagunça. Os padrões da OCDE para combater o suborno internacional possuem abrangência global, com a Rússia estando prestes a tornar-se o 40º país a assinar sua adesão.

O suborno tira dinheiro das mãos das pessoas e comida de suas bocas, além de corroer o desenvolvimento. Em uma tentativa para dar nova força à necessidade de uma governança corporativa sólida, remodelamos de forma substancial nossas Diretrizes para Empresas Multinacionais.

Continuamos a defender a exclusão de investimentos arriscados, como os derivativos, das operações dos bancos comuns. E fazemos esforços reais para combater a falta de proteção e educação financeira dos cidadãos, que a crise revelou de forma tão flagrante. Lideramos os esforços do G-20 para colocar em vigor uma proteção apropriada ao consumidor, de forma que as pessoas nunca sejam colocadas em posição de assinar um documento de hipotecas que não compreendam. Em regiões como o Oriente Médio, podemos levar nossa experiência para ajudar a reconstruir sociedades e economias, como o fizemos pelo Leste Europeu e Europa Ocidental.

E estamos empurrando as fronteiras do conhecimento e compreensão, questionando o pensamento convencional. Depois de sete anos trabalhando para medir melhor progressos sociais, o lançamento do Your Better Life Index (algo como "seu guia para uma vida melhor", em inglês) almeja responder à demanda acumulada de cidadãos de todo o mundo para ir além do Produto Interno Bruto (PIB) como forma de mensurar o bem-estar e progresso. Ao dar às pessoas comuns um instrumento para medir seu bem-estar, estamos mudando a cara da forma de se fazer políticas públicas, ajudando-as a nos ajudarem a proporcionar as melhores políticas públicas para melhorar nossas vidas.

O sistema pré-crise nos decepcionou. Precisamos recuperar a confiança e cumprir o que as pessoas mais querem - crescimento e emprego. A melhor forma de fazer isso é a partir de fatos, evidências, números, compartilhamento de boas práticas e de uma avaliação honesta daquilo que funciona e do que não. Boas políticas públicas se tratam de boas ideias. Não há monopólio político sobre elas. As políticas não deveriam ser formuladas em cantos concorrentes no cenário político, mas no ponto de conexão entre economia, governo, setor privado e pessoas.

Claramente, ainda não saímos da confusão no que se refere à crise. É algo bem humano iludir-se e voltar ao ponto em que começamos, levando adiante os negócios como sempre. Mas é uma tentação à qual nunca poderíamos nos perdoar por cair.

Angel Gurría é secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ww.oecd.org/betterlifeindex

Valor Econômico - Opinião - Angel Gurría - 26/05/2011

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