Os últimos 60 anos do Oriente Médio podem ser divididos claramente em três fases: a primeira com a revolução de Gamal Abdel Nasser no Egito em 1952; a segunda com a humilhante derrota do mundo árabe na guerra contra Israel em 1967; e a terceira com a revolução islâmica de 1979 no Irã.
Uma quarta fase talvez tenha começado no último fim de semana no Egito. Mas se o movimento de "reforma" política nas ruas de Cairo vai ser ou não uma mudança positiva ou negativa para a região - e para os EUA - depende muito de Mubarak, Mohamed ElBaradei e, num grau menor, de Barack Obama. Se a história servir de guia, pode levar meses ou até anos para vermos com clareza o resultado.
Se o drama egípcio terminar com uma saída pacífica de Mubarak, seguida de eleições livres no coração do mundo árabe, a atual bagunça pode ser substituída por uma nova fase de estabilidade moderada benéfica para os interesses americanos. Praticamente qualquer outro desfecho parece iniciar uma era menos amigável aos EUA.
O tumulto no Egito, no rastro de uma história parecida na menos importante Tunísia, tem isso em comum com os marcos anteriores: nenhum deles se limitou a atingir uma nação, mas sim alterou a maneira como toda a região se vê. Não foi por acidente que todos aqueles eventos seminais foram centrados no Egito, a âncora árabe ocidental no Oriente Médio, ou no Irã, a âncora persa oriental na região.
O que acontece nesses dois países sempre teve uma influência maior em todo o Oriente Médio, razão por que a política externa americana sempre foi e continua sendo tão centrada no que acontece nessas duas nações.
A revolução liderada por Nasser foi um evento seminal não apenas porque levou ao poder um concelho militar para substituir uma monarquia árabe tradicional (e desacreditada), mas porque, uma vez no poder, Nasser avançou a ideia de nacionalismo árabe.
Nasser foi a força por trás da revolução de 1952, embora tenha levado quase quatro anos para consolidar o poder. Uma vez o tendo feito, ele se apresentou não apenas como o líder de fato do Egito, mas de uma grande e vasta nação árabe ainda irritada com a criação do Estado de Israel. Ao agrupar Estados árabes descontentes, argumentava ele, uma grande nação árabe poderia emergir e assumir seu lugar de direito entre as potências mundiais.
A derrota dos exércitos do Egito e de seus parceiros árabes na guerra árabe-israelense em 1967 foi um choque para aquele conceito. Ela levou tanto intelectuais como cidadãos comuns no mundo árabe a começar a duvidar da visão de Nasser de um nacionalismo árabe. De fato, o conflito iniciou um período de auto-exame e recriminação que levou as pessoas a pensar que o nacionalismo árabe poderia estar falido.
Então, uma dúzia de anos mais tarde, veio a revolução iraniana. Embora ela tenha acontecido não numa nação árabe, mas no gigante persa ao lado, ela levou aos observadores a ideia de que um governo islâmico era uma alternativa plausível ao nacionalismo árabe. As duas ideias entraram em concorrência uma com a outra e tradicionais líderes árabes seculares, inclusive Mubarak, recuaram para preservar seu poder diante dessa nova ideia.
Agora, o Egito oferece o prospecto de uma nova virada. Mas será uma virada para um caminho totalmente novo - a criação de um governo secular democrático conduzido pela demanda popular - ou uma porta aberta para forças anti-Ocidente completarem o processo iniciado no Irã?
O que é crucial é que o resultado desses momentos seminais não é pré-ordenado. Eles podem ser dirigidos, tanto por forças domésticas quanto internacionais.
Hoje isso costuma ser esquecido, mas o caminho da revolução iraniana não estava claro no começo. Inicialmente, o governo pós-revolucionário foi liderado por esquerdistas seculares. Levou meses e um plebiscito nacional para decidir que o Irã seria uma república islâmica, e mais tempo ainda para escrever uma constituição islâmica. No final, só depois do impeachment do presidente secular Abolhassan Bani-Sadr em 1981 que o domínio do clero no regime iraniano ficou claro.
E esse é o motivo por que a maneira como o drama egípcio é conduzido é tão importante. Se Mubarak decidir liderar uma transição ordenada para uma eleição aberta; se ElBaradei puder emergir como uma figura capaz de fazer a transição para um governo secular civil; se Obama puder, como líder do mais importante benfeitor do Egito, cutucar todas as partes em direção a tais resultados - bem, talvez a nova fase seja feliz para Washington.
E, se você quer ter pensamentos positivos, considere as palavras prescientes que Mohamed Hykal, confidente de Nasser e renomado cronista de assuntos egípcios, disse numa entrevista para um jornal britânico mais de três anos atrás: "Os efeitos de celulares, computadores, satélites - há uma geração chegando que está fora dos controles tradicionais. Normalmente, gerações se reinventam. Mas algo mais está acontecendo."
Esse algo mais pode ser positivo ou negativo. Simplesmente, a gente ainda não sabe.
Gerald F. Seib - The Wall Street Journal - 02/02/2011
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