O mês passado foi marcado por um fato que agitou o mercado financeiro brasileiro. Caso exista algum desavisado para o qual notícia tenha passado despercebida, o que aconteceu foi um caso de fraude contábil no sistema financeiro nacional.
Na verdade, a grosso modo, o que o banco PanAmericano fazia era repassar carteiras de créditos de suas operações (direitos de recebimento do banco) para outras instituições financeiras, mas não contabilizava essa transferência no balanço. Algo do tipo como vender o carro e não retirá-lo da declaração do Imposto de Renda (IR).
Qual a lógica disso? Inflar o resultado. Você vende um ativo - algo que possui - e recebe por isso. Em contrapartida, você permanece com isso em seus demonstrativos, como se fosse algo que ainda lhe pertencesse, como se nada tivesse acontecido. Com isso, os executivos do PanAmericano engordavam o resultado do banco e, consequentemente, seus bônus.
É importante lembrar que a venda de carteiras foi incentivada pelo próprio Banco Central (BC) durante a crise de 2008, como uma alternativa para bancos menores manterem sua posição de liquidez. Ou seja, caso houvesse uma corrida aos bancos para resgate de recursos e caso estes não conseguissem captar recursos, uma vez que o mercado de crédito havia se contraído, uma alternativa seria vender partes de suas carteiras.
Alguns desses bancos menores fizeram acordos com grandes bancos, para fornecimento de lotes de carteiras de crédito, tornando-se máquinas geradoras e vendedoras de empréstimos, especialmente do crédito consignado.
Para o grande banco, o interesse residia na possibilidade de elevar a rentabilidade de seu excesso de caixa em operações com taxas acima do CDI e dos títulos públicos.
Aparentemente, faltou fiscalização. Ela veio tarde, mas veio. As medidas tomadas foram corretas e o Banco Central brasileiro, mais uma vez, atuou com maestria. Mas de onde vieram os R$ 2,5 bilhões usados para "salvar" o banco?
Foram usados recursos do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que é formado por uma porcentagem dos depósitos sobre o valor total das contas cobertas. É um dinheiro dos bancos, e não do povo.
Mas o ponto mais importante de toda essa história é o que vai acontecer com o Senor Abravanel, também conhecido como Silvio Santos? Piadas a parte, ele é "quem quer dinheiro" agora. A atitude desse honrado brasileiro no episódio foi, sem dúvida, a mais digna possível.
Mesmo sem ser o responsável direto pelos acontecidos - visto que, apesar de ser o dono do grupo que controlava este banco, ele não participava da sua administração -, ele se comprometeu pessoalmente, assumindo as dívidas através do seu patrimônio. O grupo Silvio Santos se comprometeu em pagar essa dívida em 10 anos, sendo que o primeiro pagamento semestral ocorrerá em três anos.
Diferentemente do que outros banqueiros fizeram quando seus bancos quebraram, Silvio Santos não transferiu a responsabilidade e ficou em casa gozando do conforto de seus milhões, com suas obras de arte.
Ele colocou tudo que construiu como garantia do empréstimo obtido junto ao FGC. E ainda que "tope tudo por dinheiro", ele não fugiu da sua responsabilidade e colocou todo seu "baú da felicidade", suas 44 empresas, como garantia desse empréstimo. O próprio presidente do FGC, Gabriel Jorge Ferreira, comentou: "Nunca vi um empresário fazer isso, se colocar nessa situação".
Diferentemente de casos como o do Banco Santos e do Banco Nacional, no caso do PanAmericano nada foi passado ao cliente final. Somente aos acionistas (igualmente sócios de Silvio Santos), que acabaram vendo seu patrimônio se desvalorizando com a queda das ações.
Obviamente, ainda será necessário averiguar bem as causas e os efeitos das perdas, mas ainda assim a possibilidade de contágio e de risco sistêmico foi afastada e o sistema financeiro nacional segue seu curso.
William Castro Alves é analista da XP Investimentos
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